Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. 

§ 1º – A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.
§ 2º – Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Mudança legislativa

A lei 10.763/2013 modificou a pena do caput, que era de 1 a 8 anos.

Bem jurídico

A probidade da Administração Pública.

Sujeitos do crime

Sujeito ativo somente pode ser o funcionário público, cuja definição encontra-se no art. 327, CP. Mesmo que o agente esteja fora da função ou antes mesmo de assumi-la, mas desde que seja em razão dela.

Sujeito passivo é o Estado.

Tipo objetivo

O tipo penal é muito semelhante à concussão, a diferença é que corrupção passiva não há exigência, mas mero pedido ou o recebimento ou a aceitação da proposta.

Solicitar é pedir, rogar; não possui o caráter coativo da concussão.

Receber, quando o agente não solicitou, mas efetivamente recebeu a vantagem.

Aceitar a promessa é a simples conduta de aquiescer à proposta de outro, mesmo que não haja o efetivo recebimento.

O objeto da conduta é a vantagem indevida, que não precisa, necessariamente, ser patrimonial.

Em razão do cargo

A solicitação, recebimento ou aceitação da promessa de vantagem indevida deve ser “em razão do cargo”. Discute-se se é imprescindível que a solicitação seja vinculada a prática ou omissão de ato de ofício.

Sustenta Delmanto, que é imprescindível que a solicitação ou outra conduta seja para praticar ou omitir ato de ofício. Na jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal já adotou esse entendimento, ao absolver o ex-presidente Fernando Collor de Mello da acusação de corrupção passiva:

1.2. Improcedência da acusação. (…) por não haver sido apontado ato de oficio configurador de transação ou comercio como segundo, ao terceiro e ao quarto acusados.  (STF — AP 307 — Pleno — Rel. Min. Ilmar Galvão — v.m. — j. 13/12/1994 íntegra do acórdão aqui)

Entendimento contrário é o defendido por Nucci, que afirma que a lei só exigiu que o ato seja para praticar, retardar ou omitir ato de ofício na corrupção ativa (art. 333). Na passiva apenas o tipo exige que seja em razão do cargo.

A jurisprudência do STF começou a mudar no julgamento do caso mensalão (AP 470) e se consolidou no julgamento da AP 694 e Inq. 4506:

Corrupção passiva. Desimportante seja a vantagem indevida contraparte à prática de ato funcional lícito ou ilícito. O ato de ofício não é elementar do tipo (artigo 317 do CP), apenas causa de aumento da pena (§ 1º do mesmo dispositivo legal). Necessário o nexo causal entre a oferta (ou promessa) de vantagem indevida e a função pública do agente. Corrupção passiva evidenciada diante do recebimento direto e indireto de vantagens financeiras sem explicação causal razoável. Inferência de liame entre o recebimento e o exercício do mandato parlamentar, e, ainda, por meio da prática de atos funcionais dirigidos ao responsável pelo pagamento da propina. (STF — AP 694 — 1ª Turma — Rel. Min. Rosa Weber — v.m. — j. 02/05/2017) 

“Para a aptidão de imputação de corrupção passiva, não é necessária a descrição de um específico ato de ofício, bastando uma vinculação causal entre as vantagens indevidas e as atribuições do funcionário público, passando este a atuar não mais em prol do interesse público, mas em favor de seus interesses pessoais” (Inq 4.506, Relator p/ acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, publicado em 04/09/2018).

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ainda que por maioria, também passou a seguir esse entendimento:

2. Ao contrário do que ocorre no crime de corrupção ativa, o tipo penal de corrupção passiva não exige a comprovação de que a vantagem indevida solicitada, recebida ou aceita pelo funcionário público esteja causalmente vinculada à prática, omissão ou retardamento de “ato de ofício”.
3. A expressão “ato de ofício” aparece apenas no caput do art. 333 do CP, como um elemento normativo do tipo de corrupção ativa, e não no caput do art. 317 do CP, como um elemento normativo do tipo de corrupção passiva. Ao contrário, no que se refere a este último delito, a expressão “ato de ofício” figura apenas na majorante do art. 317, § 1.º, do CP e na modalidade privilegiada do § 2.º do mesmo dispositivo.
4. Nem a literalidade do art. 317 do CP, nem sua interpretação sistemática, nem a política criminal adotada pelo legislador parecem legitimar a ideia de que a expressão “em razão dela”, presente no tipo de corrupção passiva, deve ser lida no restrito sentido de “ato que está dentro das competências formais do agente”.
5. Não é lícito ao intérprete simplesmente pressupor que, no crime de corrupção passiva, o legislador praticou alguma sorte de atecnia, ou que falou menos do que desejava, ou que é possível “deduzir” do dispositivo a exigência de ato de ofício, como se ali estivesse uma limitação implícita ao poder-dever de punir. Ao contrário, a redação do dispositivo constitui nítida opção legislativa direcionada a ampliar a abrangência da incriminação por corrupção passiva, quando comparada ao tipo de corrupção ativa, a fim de potencializar a proteção ao aspecto moral do bem jurídico protegido, é dizer, a probidade da Administração Pública.
6. A desnecessidade de que o ato pretendido esteja no âmbito das atribuições formais do funcionário público fornece uma visão mais coerente e íntegra do sistema jurídico. A um só tempo, são potencializados os propósitos da incriminação – referentes à otimização da proteção da probidade administrativa, seja em aspectos econômicos, seja em aspectos morais – e os princípios da proporcionalidade e da isonomia. Exigir nexo de causalidade entre a vantagem e ato de ofício de funcionário público levaria à absurda consequência de admitir, por um lado, a punição de condutas menos gravosas ao bem jurídico, enquanto se nega, por outro, sanção criminal a manifestações muito mais graves da violação à probidade pública: “o guarda de trânsito que pede dinheiro para deixar de aplicar uma multa seria punível, mas o senador que vende favores no exercício do seu mandato passaria impune” (STF, Voto do Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO no Inq 4.506/DF, p. 2.052).
7. O âmbito de aplicação da expressão “em razão dela”, contida no art. 317 do CP, não se esgota em atos ou omissões que detenham relação direta e imediata com a competência funcional do agente. O crime de corrupção passiva não exige nexo causal entre a oferta ou promessa de vantagem indevida e eventual ato de ofício praticável pelo funcionário público. O nexo causal a ser reconhecido é entre a mencionada oferta ou promessa e eventual facilidade ou suscetibilidade usufruível em razão da função pública exercida pelo agente. 
8. O crime de corrupção passiva consuma-se ainda que a solicitação ou recebimento de vantagem indevida, ou a aceitação da promessa de tal vantagem, esteja relacionada com atos que formalmente não se inserem nas atribuições do funcionário público, mas que, em razão da função pública, materialmente implicam alguma forma de facilitação da prática da conduta almejada. 
(STJ — 6ª Turma — REsp. 1.745.410-SP —Rel. p/acórdão Min. Laurita Vaz — j. 02/10/2018)—v.m. — Obs: A ministra Laurita Vaz foi acompanhada pelos Mins. Rogerio Schietti Cruz e Nefi Cordeiro, ficando vencidos os Mins. Antonio Saldanha Palheiro e Sebastião Reis Jr. íntegra do acórdão aqui)

Tipo subjetivo

Dolo, além do elemento subjetivo do tipo “para si ou para outrem”.

Consumação e tentativa

Consuma-se com uma das condutas: solicitação, recebimento ou aceitação.

A tentativa é impossível, salvo se por escrito, o que na prática é inviável.

Princípio da adequação social e da insignificância

Por se tratar de crime contra a administração pública, que tutela a probidade administrativa, não se aplica o princípio da insignificância. Quem solicita uma vantagem indevida, ainda que de baixo valor, viola o bem jurídico tutelado, comete o crime.

Porém, é possível reconhecer a adequação social de presentes recebidos, que não têm o condão de interferir no serviço prestado, como “uma garrafa de vinho ou uma cesta de Natal, tão comum na comunidade cristã do mundo inteiro”. (Bitencourt, Tratado, vol. 5, p. 82)

Inexigência de bilateralidade

A existência de corrupção passiva não depende da corrupção ativa, nem esta daquela. Pode haver apenas um crime, perfeitamente. Confira-se a seguinte decisão do STJ:

“eventual bilateralidade das condutas de corrupção passiva e ativa é apenas fático-jurídica, não se estendendo ao plano processual, visto que a investigação de cada fato terá o seu curso, com os percalços inerentes a cada procedimento, sendo que para a condenação do autor de corrupção passiva é desnecessária a identificação ou mesmo a condenação do corruptor ativo” (STJ — 6ª Turma — AgRg no REsp 1.613.927/RS — Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura — j. 20/09/2016 — DJe 30/09/2016)

Majorante

No § 1º, há aumento de 1/3 da pena caso a vantagem indevida leve o funcionário público a, efetivamente, retardar ou omitir o ato de ofício ou a praticar com violação de dever funcional.

Se o funcionário, em razão da vantagem, praticar o ato legalmente não se aplica a causa de aumento de pena.

Corrupção privilegiada

Hipótese de corrupção privilegiada, com pena de 3 meses a um ano, está prevista no § 2º. Configura-se se o funcionário violar dever funcional a pedido de outra pessoa, mediante a prática de ato de ofício ou omissão ou retardamento do ato. Qualquer uma das três condutas deve ser atendendo pedido ou influência de outrem e com infração de dever funcional.