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Introdução

Lei penal no tempo é o estudo da sucessão de leis penais. As leis são sempre modificadas, substituídas ou, simplesmente, revogadas sem que outra a substitua. Juridicamente, são formas de revogação da lei penal.

O Código Penal Brasileiro é de 1940. Contudo, ele sofre constantes mudanças. A Parte Geral foi totalmente mudada em 1984, do art. 1º ao 120, toda a redação do Código Penal foi dada pela lei 7.209/1984. Além disso, temos diversos artigos que foram introduzidos no Código Penal, por leis posteriores.

Como exemplo, confira-se o art. 121, que define o crime de homicídio. A redação original teve modificações e, sobretudo, acréscimos. A primeira mudança A primeira mudança ocorreu pela lei 6.416/1977, que incluiu o § 5º, criando um perdão judicial para o homicídio culposo. Depois, a lei 10.741/2003 deu nova redação ao § 4º, que contém causas de aumento de pena. As leis 13.104/2015, 13.142/2015, 13.964/2019 e 14.344/2022 incluíram novas qualificadoras. Além disso, novas causas de aumento de pena foram criadas pelas leis 12.720/2012, 13.104/2015, 13.771/2018 e 14.344/2022.

Em linguagem coloquial, diríamos que o art. 121 se tornou uma colcha de retalhos. E esse fenômeno é perceptível na parte especial toda.

A questão é saber como são aplicadas essas novas leis. Se o que vale é o momento do fato, se a lei retroage ou não, para atingir condutas praticadas antes de sua vigência.

Tempo do crime

Antes de mais nada, o art. 4º, CP, define que momento do crime é o momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

Tempo do crime
Art. 4º – Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.  

Na maioria dos casos, a conduta e o resultado ocorrem concomitantemente. Todavia, há situações em que a ação se dá em um momento e tempos depois o resultado. Isso pode ocorrer em estelionato pela internet, por exemplo, quando a fraude é feita e semanas depois a vítima transfere o dinheiro, sofrendo o prejuízo (resultado). Também pode ocorrer no homicídio em que a pessoa é baleada em um momento e sua morte ocorre meses depois.

Em tais casos, o tempo do crime é o momento da conduta (nos exemplos, o momento da fraude e do disparo) e não o momento do resultado.

Desse modo, para fins de prescrição e verificação de qual é a lei aplicada, deve ser considerado o momento da ação.

Extra-atividade

A lei é aplicada durante seu período de vigência. Todavia, há situações em que a lei é aplicada a períodos foda de sua vigência. Nesse caso, dá-se o nome de extra-atividade. Como se sabe, extra significa “fora de”, que neste tema significa aplicação da lei penal fora de seu período de vigência.

Se a extra-atividade for a aplicação da lei para períodos anteriores à sua vigência, ocorre a retroatividade. Retro tem o sentido de para trás, de modo que a lei retroage quando ela é usada para fatos ocorridos antes de sua vigência. A segunda forma de extra-atividade é a aplicação da lei, após a sua revogação, desde que para fatos ocorridos durante a sua vigência, o que é considerado que a lei antiga teve ultratividade.

Como já dito, o tempo do crime é o momento da ação/omissão. Então se a ação ocorreu e tempos depois há uma nova lei modificando a então aplicável ao fato, se a lei nova for aplicada terá ocorrido a retroatividade. Por outro lado, se ao ser julgado por esse fato, o juiz aplica a lei vigente no momento do fato e não a lei nova que a revogou, se diz que a lei antiga teve ultratividade.

Como saber se a lei nova deverá ter retroatividade ou a antiga terá ultratividade?

Não se trata de mera escolha do intérprete e sim o cumprimento das seguintes regras constitucionais e legais.

Constituição da República
Art. 5º (…)
XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

Código Penal
Anterioridade da Lei
Art. 1º – Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.
Lei penal no tempo
Art. 2º – Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.
Parágrafo único – A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. 

Espécies de leis e sua atividade

Para compreender as regras constitucionais e legais, é preciso ver a classificação das leis: nova lei incriminadora, nova lei severa, nova lei benéfica e abolitio criminis.

Nova lei incriminadora (novatio legis incriminadora)

Como já visto no estudo do princípio da legalidade, por força do inciso XXXIX, do art. 5º, CR/88, e art. 1º, CP, a nova lei que define um crime até então inexistente, não possui efeito retroativo. Desse modo, as pessoas que praticaram a conduta antes da vigência da nova lei, não cometeram crime e não poderão ser punidos.

Nova lei severa (novatio legis in pejus)

No caso desse tipo de lei, há uma conduta que já era definida por crime por lei anterior, que a lei nova vem agravar. São as hipóteses, dentre outras, em que a nova lei aumenta a pena para determinado crime, cria causa de aumento de pena ou qualificadora, impede benefícios penais ou estabelece uma forma mais gravosa de cumprimento.

Essa espécie de lei é disciplinada pelo art. 5º, XL, CR/88 e art. 2º, parágrafo único, CP. É uma lei que não retroage, produzindo efeitos apenas para os fatos cometidos depois de sua entrada em vigor.

 É o exemplo da lei 14.155/2021, que estabeleceu nova pena para o crime previsto no art. 154-A. A pena original para esse crime era de 3 meses a 1 ano. Com a nova lei, que entrou em vigor no dia 27/05/2021, passou a ser de 1 ano a 4 anos. Uma pessoa que tenha cometido o crime, por exemplo, no dia 7/05/2021 não poderá ser condenada com base na pena da lei nova, ainda que seu julgamento seja depois de 27/05/2021. Não importa a questão processual, se já há inquérito instaurado, início da ação penal etc, o que importa é que a conduta foi praticada antes da vigência da nova lei mais severa.

Nesse caso se diz que a lei antiga tem ultratividade, pois sua atividade ultrapassa o momento de sua revogação. Em outras palavras, ela continua tendo atividade após sua revogação, para fatos cometidos antes durante sua vigência.

Nova lei benéfica (novatio legis in mellius)

Nessa espécie temos uma lei nova que, ao modificar a antiga, torna a situação do autor do crime mais branda, seja diminuindo a pena, incluindo uma atenuante ou causa de diminuição de pena ou ampliando os requisitos de um benefício penal. Nesse caso a nova lei mais benéfica é retroativa, beneficiando todos os que cometeram o crime antes de sua entrada em vigor, conforme determina o art. 5º, LX, CR/88, e o art. 2º, parágrafo único, CP.

É o que ocorreu em 1998, com a mudança do art. 44, CP. Na vigência da lei antiga o condenado a pena não superior a 1 ano, poderia ter o benefício das penas restritivas de direitos (penas alternativas, como prestação de serviços à comunidade), em substituição à pena privativa de liberdade (prisão). A partir da vigência da nova lei, condenado a pena não superior a 4 anos, pode ter a referida substituição.

Como se trata de lei mais benéfica, ela retroage beneficiando todos que praticaram crime antes de sua vigência. Assim, alguém que em 1997 tenha sido condenado a pena de três anos de reclusão, que não foi substituída porque a lei não permitia, poderá agora ter a substituição de sua pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos.

Abolitio criminis

Trata-se de lei que não mais considera fato como criminoso, ou seja, revoga determinado artigo que definia crime. Nesse caso, a lei que aboliu o crime tem retroatividade. É o que estabelece o art. 5º, LX, CR/88, que estabelece que a lei mais benéfica é a única que retroage, e o art. 2º, caput, CP, que estabelece que ninguém pode ser punido se nova lei deixou de considerar crime. Também o art. 107, III, CP, estabelece que nessa hipótese há a extinção de punibilidade, ou seja, o Estado perde o direito de punir a pessoa.

A lei 11.106/2005, dentre outras alterações no Código Penal, revogou os crimes de sedução (art. 217), rapto violento ou mediante fraude (art. 219), rapto consensual (art. 220) e adultério (art. 240).

A lei entrou em vigor no dia 28/03/2005. Qualquer pessoa que praticado um dos crimes previstos nos artigos revogados, não poderá mais ser punido, independentemente de sua situação processual. Caso estivesse cumprindo pena, deveria ser imediatamente extinta a sua pena, em razão da retroatividade da abolitio criminis.

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