Introdução

São três os crimes contra a honra, tipificado no Código Penal: calúnia (art. 138), difamação (art. 139) e injúria (art. 140).

Honra

O bem jurídico tutelado é a honra, entendida tanto no seu aspecto da reputação como da dignidade individual.

A honra recebe a classificação de honra objetiva e subjetiva.

Honra objetiva é a valoração social de determinada pessoa, sua reputação e credibilidade. É o conceito que determinada pessoa possui em determinado grupo social. Na expressão de Hungria, é “o apreço e respeito de que somos objeto ou nos tornamos merecedores perante os nossos concidadãos (honra externa, honra objetiva, reputação, boa fama).” (Hungria, 1980, p. 39) As relações sociais, seja na convivência pessoal, seja nas relações profissionais, dependem da reputação de cada uma das pessoas. Daí a importância da tutela da honra objetiva.

Já a honra subjetiva é a autoestima, ou seja, a dignidade, que é o valor que cada indivíduo tem de si, referente a seus atributos intelectuais, morais e físicos. Se uma pessoa é chamada de “imbecil” em um elevador onde só estão ofensor e ofendido, não há possibilidade de que a ofensa atinja a reputação da ofendida, mas sua dignidade é atingida, ou seja, sua honra subjetiva.

A diferença entre honra objetiva e subjetiva é importante para verificação da consumação de cada um dos crimes. Os tipos de calúnia e difamação tutelam a honra objetiva, já o tipo de injúria tutela a honra subjetiva.

Outra classificação é a que divide a honra em geral e especial.

Honra geral é a honra pertencente a qualquer pessoa, independentemente de sua profissão, gênero, ou nacionalidade. É comum a todos. Chamar uma pessoa de burra é uma ofensa que atinge qualquer indivíduo, já que qualquer pessoa se ofenderia com a expressão usada.

Já a honra especial é inerente a determinado grupo social, como profissão, religião, etc. Determinadas expressões que podem ser injuriosas a determinados profissionais, talvez nada digam a outros; do mesmo modo, certos fatos atribuídos só ofendem certos grupos. Chamar alguém de açougueiro, tanto pode ser algo natural, se dito de alguém que trabalhe em uma casa de carnes, ou sem sentido se dito a um professor, mas será altamente ofensivo, se dito a um médico cirurgião.

Formas de ofensa

Os meios de prática do crime podem ser os mais variados, palavra, escrito, símbolo, gesto. A injúria, por exemplo, é com frequência cometida com gestos, como o clássico de médio em riste e antos outros. Nos crimes de calúnia e difamação, por se tratar de imputação de fato, torna mais improvável a prática por meio de gestos e símbolos.

Os crimes podem ser cometidos por meio implícito, quando o sentido se deduz do contexto, como da hipótese em que alguém explica a ausência de uma festa, dizendo “não entro em casa de ladrão”. Embora não tenha dito expressamente, que o dono da casa é ladrão, é possível deduzir com facilidade que esse é o sentido.

Exemplo histórico de ofensa implícita encontra-se na resposta que o Deputado Ulysses Guimarães, deu a ofensas proferidas pelo então Presidente da República, Fernando Collor: “Velho sim, velhaco não!” (Gutemberg, 1994, p. 334) Ulysses não disse, expressamente, que Collor era velhaco — canalha, devasso, espertalhão, pulha e trapaceiro —, mas o contexto não deixa dúvida de que esse é o sentido.

Também muito interessante é o episódio relatado por Josué Montello (Montello, 1961, p. 308):

O médico Oliveira de Meneses investiu contra Carlos de Laet, dizendo que ele estava decrépito, em decadênci, “com os pés na sepultura!”
“─ V.Exc.ª disse que estou com os pés na sepultura. E eu pergunto a V.Exc.ª se falou como meu inimigo ou como médico?
E Oliveira de Meneses, dedo em riste, alteando  a voz:
─ Falei como médico!
E Laet, depois de soprar a fumaça do charuto:
─ Bom, agora, fiquei sossegado…”

Claramente, Carlos de Laet depreciou a capacidade do adversário, como profissional da medicina. Se o médico o atacou com ofensa explícita, Laet respondeu com ofensa implícita que fustigava a honra especial do adversário, como profissional da medicina

Dentre as formas de ofensa implícita está o uso da ironia, que é uma figura de retórica, consistente em afirmar algo inverso à mensagem que se pretende transmitir, ou seja, há uma diferença entre o sentido literal da frase e o verdadeiro, que é o contrário. A ironia pode ser demolidora, como dizer que uma pessoa notoriamente corrupta é “exemplo de honestidade”. A ironia, quando verbal, com frequência, vem acompanhada de uma entonação ou gestual, como sorriso, que denuncia o verdadeiro sentido da frase.

A ofensa equívoca é a que permite mais de uma interpretação, em oposição a unívoco, que é a expressão que só comporta uma interpretação. Quando se tratar de expessões equívocas, é possível o uso do pedido de explicações, previsto no art. 144, CP.

A questão da pessoa jurídica como sujeito passivo de crime contra a honra

Uma questão que merece atenção especial, é a discussão sobre a tipicidade ou não da imputação de fatos ofensivos à reputação de pessoa jurídica, de modo a saber se a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo de difamação.

Primeiramente, é necessário se constatar que é majoritária a opinião de que não é possível nem calúnia, nem injúria contra a pessoa jurídica. Aquela porque se constitui da imputação de fato definido como crime; como só a pessoa humana pode praticar crime, só se pode imputar fato definido como crime ao homem. [Esse argumento se vê abalado, na medida em que a lei 9.605/98 adotou a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Assim, o ente jurídico pode praticar crimes ambientais, razão pela qual poderia ser caluniada. Porém, o argumentos a seguir expostos, no sentido de que não pode a pessoa jurídica ser sujeito passivo de difamação, também são válidos para a calúnia.] Já na injúria, o que se tutela é a honra subjetiva, que é atributo exclusivo da pessoa física, de modo que não se pode pensar em ofensa à dignidade de ente jurídico.

Diferentemente, quanto à difamação, argumenta-se, que uma empresa possui um conceito social, a reputação, que pode ser atingida se alguém imputa a essa empresa um fato desabonador. [Assim como, p. ex., é possível o fenômeno social do dano culposo, embora não haja crime por falta de previsão legal (art. 163, CP).]

Essa constatação é correta: é plenamente possível atingir o conceito social de uma pessoa jurídica. Porém, daí a se afirmar que há crime de difamação contra a pessoa jurídica, existe uma grande distância. O fenômeno social é possível, mas não há crime por ausência de tipicidade.3

Primeiro, porque mediante uma interpretação literal, constata-se que o art. 139, descreve a conduta de “difamar alguém”, e alguém só pode ser pessoa humana. Alguém possui os seguintes significados: “1 uma pessoa ou alguma pessoa cuja identidade não é especificada ou definida (…) 2 pessoa importante, digna de consideração; pessoa de condição (…) 3 ser humano, pessoa” (Dicionário Houaiss) (HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. São Paulo: Objetiva, s/d. CD-ROM.) Não bastasse o teor literal do tipo, que é uma barreira intransponível, mediante a interpretação sistemática, se verifica que o art. 139 está inserto no Cap. V, “Dos crimes contra a honra”, que pertence ao Título I, “Dos crimes contra a pessoa”. Afirmar que uma empresa possui honra só é possível metaforicamente, já que esta é um atributo humano. Além disso, a questão fica totalmente superada ao constatar-se que, por ser um crime contra a pessoa, só pode o ser humano ser sujeito passivo da difamação.

O argumento que leva alguns autores a admitir a configuração de difamação contra a pessoa jurídica, nada mais é do que o emprego velado de analogia, porquanto se procura encontrar pontos em comum entre a difamação contra a pessoa humana (fato típico) e a imputação de fato ofensivo à reputação de pessoa jurídica e aplicar a norma prevista para aquela conduta a esta outra.

O que se percebe é que, diante da constatação da gravidade da ofensa ao conceito social da pessoa jurídica, parte da doutrina resolve ser necessária a sua tipificação, daí construindo uma argumentação por derivação, no sentido de que a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo da difamação. Trata-se de um fenômeno de adaptação do texto legal à vontade do agente. Desse modo, a interpretação que deveria ser um processo cognitivo, passa a ser volitivo, em que há o predomínio da vontade do intérprete sobre o texto da lei. (Dimoulis, 1999, pp. 12-14)

A rigor, a opinião que sustenta a possibilidade de a pessoa jurídica ser sujeito passivo da difamação, não resiste a um rigoroso exame do tipo penal, seja da leitura isolada do art. 139, seja de sua posição sistemática. Assim, ainda que o fenômeno social possa existir e que seja grave, imputação de fato ofensivo à reputação de pessoa jurídica não constitui crime de difamação, porquanto tal conduta não se amolda ao tipo penal.

Desonrados

 

 

Bibliografia

ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Crimes contra a honra, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 34.

COSTA JR., Paulo José. Comentários ao Código Penal. 5a ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 426.

DIMOULIS, Dimitri. Moralismo, positivismo e pragmatismo na interpretação do direito constitucional. Revista dos Tribunais, São Paulo, 88, 769, nov. 1999, p. 12-14

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: parte especial. 2a ed. São Paulo: José Bushatsky, 1962. Vol. 1, p. 146.

GUTEMBERG, Luiz. Moisés: codinome, Ulysses Guimarães: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 334.

HUNGRIA, Nélson.  Comentários ao código penal. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. Vol. VI.

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte especial. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. Vol. 2, p. 203.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte especial. 20a ed. São Paulo: Atlas, 2003. Vol. II., p. 161.

NORONHA, E. de Magalhães. Direito Penal. 13a ed. São Paulo: Saraiva, 1977. Vol. 2, p. 133.

HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. São Paulo: Objetiva, s/d. CD-ROM.

MONTELLO, Josué. Pequeno anedotário da Academia Brasileira. São Paulo: Martins Editora, 1961.