Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
Bem jurídico
O patrimônio.
Sujeitos do crime
Sujeito ativo é qualquer pessoa (crime comum).
Sujeito passivo qualquer pessoa, física ou jurídica, pois este é o que sofre a lesão patrimonial. Com freqüência, é a mesma pessoa que é enganada, mas pode a ação recair contra uma pessoa (humana), que é induzida ou mantida em erro, que dispõe o patrimônio de outra pessoa (jurídica ou física). No estelionato contra a pessoa jurídica, obrigatoriamente, haverá uma pessoa humana enganada.
Tipo objetivo
O estelionato possui os seguintes elementos constitutivos: a) fraude, b) erro, c) vantagem ilícita e d) prejuízo alheio.
a) fraude: é o meio empregado para ludibriar a pessoa e, com isso, obter a vantagem. A lei fala em artifício (é a fraude material, na qual há uma alteração exterior da coisa: falsidade, disfarce, aparelhos eletrônicos), ardil (é a astúcia, a malícia, a mentira, ou seja, puramente intelectual, até mesmo o simples silêncio) ou outro meio fraudulento (é a fraude que não configura nem o artifício, nem o ardil).
b) erro: é a falsa representação da realidade, um estado cognitivo no qual a pessoa não tem a perfeita percepção da realidade. A possibilidade de errar é exclusiva do ser humano. A lei descreve as condutas de induzir ou manter o erro. Induzir é provocar, inculcar, causar o erro; a iniciativa do erro é do autor do delito. A conduta de manter ocorrerá quando a iniciativa de causar o erro não foi do agente, mas este usou a fraude para manter o erro que não provocou.
c) vantagem ilícita: é qualquer vantagem ilegal, sem a correspondente contrapartida (se a vantagem for devida, haverá crime de exercício arbitrário das próprias razões – art. 345). Como o estelionato é crime contra o patrimônio, imprescindível que a vantagem seja patrimonial.
d) prejuízo alheio: é o desfalque patrimonial, a diminuição do patrimônio, sem a correspondente contrapartida.
Nexo causal: Não basta, todavia, a simples presença dos quatro elementos acima, se faltar, entre eles a relação de causalidade — “entre os momentos do estelionato deve existir uma sucessiva relação de causa e efeito” (Hungria, 1980, p. 209). Assim o erro é “ao mesmo tempo efeito e causa. Efeito do meio fraudulento e causa da vantagem ilícita.” (Noronha, 1952, p. 141) Os momentos devem se suceder no tempo de acordo com a ordem exposta. Se o erro é posterior à vantagem não pode ser tido como sua causa, não se configurando o estelionato, mas furto ou apropriação indébita.
Tipo subjetivo
É o dolo, com a consciência de que está iludindo a vítima. Exige-se, também, o elemento subjetivo do tipo, que é o fim de obter vantagem ilícita causando prejuízo alheio.
Consumação e tentativa
Trata-se de crime material, pois o verbo núcleo do tipo é obter e o objeto direto é vantagem. Assim, será consumado o crime quando o agente conseguir a vantagem ilícita.
A tentativa ocorrerá quando utilizada a fraude, não se consegue enganar a vítima, ou quando se consegue enganar a vítima, mas por outro motivo alheio à vontade do autor, não se obtém a vantagem indevida.
Fraude grosseira
Haverá crime impossível sempre que por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto for inviável a consumação (art. 17). Tratando-se de fraude grosseira, haverá crime impossível. Se a não consumação for decorrente da precariedade da fraude, a ineficácia do meio deverá ser reconhecida. Isso ocorre quando o meio fraudulento é demasiadamente tosco, de modo a inexistir qualquer eficácia para enganar o homem médio, fica evidente o crime impossível.
“Sendo o meio empregado absolutamente impróprio e ineficaz a produção do efeito iludente, ou, dito de outra forma, incapaz de induzir alguém em erro, para, em seu prejuízo, dele obter vantagem ilícita, a tentativa de estelionato é impunível”. (TACRIM-SP – AC – Rel. Corrêa de Moraes – RJD 8/108)
Por outro lado, se no caso concreto a fraude foi apta a enganar, consumando-se o delito, obviamente, não há que se falar em crime impossível. Ocorre com freqüência que a fraude utilizada seria, ordinariamente, grosseira, mas foi capaz de enganar pessoa de baixo nível de escolaridade. Neste caso, não se pode falar em crime impossível, pois o meio foi eficaz. O fato de a fraude não ser apta a enganar pessoa mais instruída não desconfigura o crime, porquanto as pessoas mais simples também merecem a tutela penal.
“Os simplórios não podem ser deixados à mercê dos trapaceiros. Velhaco perigosíssimo é aquele que engana um minus habens ou um indivíduo reconhecidamente crédulo, tirando partido justamente da pouca resistência da vítima.” (TJSP – AC – Rel. Adriano Marrey – RJTJSP 10/500)
Questões controversas
Fraude bilateral: consiste na existência mútua de má-fé, seja de quem teve a vantagem, seja de quem teve o prejuízo. Em outras palavras, tanto sujeito ativo como o passivo pretendiam uma vantagem indevida (p.ex. conto do bilhete premiado, conto da guitarra, conto do legado, conto da fábrica, etc).
Para uma explicação sobre cada um dos contos, v: Mirabete, 2004, p. 307.
A má-fé da vítima não é suficiente para descaracterizar o estelionato (contra: Hungria, 1980, p. 191-202).
Prestação de serviço não efetuada: assim como na apropriação indébita, a mera não prestação do serviço — se não for decorrente do dolo preconcebido — não caracteriza o estelionato. Por outro lado, se o agente quando recebe adiantamento por um negócio, já sabe que este não será cumprido, há estelionato.
Fraude sexual: se a fraude for empregada para a consecução de atos sexuais, não há estelionato porque a vantagem e o prejuízo devem ser patrimoniais.
Erro provocado em inimputável: configura furto, se o “enganado” não tem o suficiente discernimento, figurando como instrumento do autor mediato. É imprescindível a “capacidade para ser iludido”, se se tratar de pessoa sem o mínimo de discernimento, haverá furto ou, eventualmente, abuso de incapazes (art. 173) (Noronha, 1952, p. 130).
Estelionato privilegiado
§ 1º – Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2º.
A lei prevê a substituição ou a redução da pena se: a) o condenado é primário e b) é de pequena monta o prejuízo. Parte da doutrina, afirma que pequeno prejuízo é o que não excede o valor do salário mínimo (Costa Jr. 1997, p. 528. Nucci, 2002, p. 564. Jesus, 1999, p. 428)
Deve ser ressaltado, que esta figura privilegiada, também se aplica às hipóteses do § 2º, já que este fala que “nas mesmas penas incorre”, o que significa “que nas mesmas penas se inclui a atenuada do § 1º” (Noronha, 1952, p. 165)
Figuras equiparadas
No § 2º, o Código tipifica seis fraudes que são equiparadas ao estelionato, sendo-lhes cominada a mesma pena.
Disposição de coisa alheia como própria
I – vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria;
Neste delito, o agente se vale de coisa alheia, como se fosse própria, realizando uma das seguintes condutas: a) vender: significa transferir o domínio, mediante pagamento em dinheiro; b) permutar: é a troca, o escambo, configurando-se o crime quando o agente troca coisa alheia, apresentando-a como própria; c) dar em pagamento: é o pagamento de uma dívida, mediante a transferência do domínio de coisa; d) dar em locação: alugar; e) dar em garantia: é empenhar, hipotecar ou dar em anticrese.
Qualquer uma das condutas se consuma no momento em que realiza a conduta típica. É possível a tentativa.
Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria
II – vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias;
Defraudação de penhor
III – defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado;
Fraude na entrega de coisa
IV – defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a alguém;
Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro
V – destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as conseqüências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro;
Trata-se de crime de consumação antecipada, no qual o legislador antecipada a consumação, tornando desnecessária a produção do resultado.
Nos crimes de consumação antecipada (também chamados de crimes formais, ou de resultado cortado), o resultado está descrito como elemento subjetivo (MAURACH e ZIPF, ob. cit. p. 396). do agente, ou seja, a finalidade que moveu a conduta, ou como perigo de dano. A conduta pode vir a produzir o resultado descrito, mas tal evento é mero exaurimento do crime, sendo dispensável para a consumação. O evento natural, portanto, é penalmente irrelevante. Não se pode confundir a consumação do delito com a consecução do resultado proposto pelo autor. Nesta espécie de crime, diferencia-se a consumação formal, que é indicada pela redação do tipo, com a consumação material (exaurimento – cf. jescheck, ob. cit. p. 468). De acordo com a redação do tipo, a consumação se dá antes ou com o resultado, o que se verifica mediante a análise do verbo núcleo do tipo, mediante a interpretação literal. Freqüentemente, são coincidentes a consumação formal com a material, mas nos crimes de consumação antecipada, a ação típica se complementa com um resultado (consumação material ou exaurimento) que fica além do tipo objetivo (jescheck, ob. cit. pp. 240 e 286. ROXIN, ob. cit. p. 317. Cirino dos Santos, Juarez. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000, p. 312.); a consumação (formal) ocorre no momento em que o autor realiza a conduta descrita no tipo e se exaure quando concretizado o objetivo do agente (TREPAT, Elena Farré. La tentativa de delito: doctrina y jurisprudencia. Barcelona: Librería Bosch, 1986, p. 239).
É o que ocorre neste delito, no qual a produção do resultado é desnecessária, já que com a simples realização de uma das condutas (destruir ou ocultar a coisa, ou lesar ou agravar a lesão ou doença), desde que com o fim de receber a indenização ou valor do seguro.
Assim, se o agente decepa seu braço, com a finalidade de receber o seguro, estará consumado o delito, independentemente do recebimento do valor. Se houver o pagamento, haverá mero exaurimento; se não ocorrer, o crime já está consumado.
Causas de aumento de pena
Aumenta-se de 1/3 se o estelionato é contra: a) entidade de direito público ou b) de instituto de economia popular, c) assistência social ou d) beneficência.
Bibliografia
CIRINO dos Santos, Juarez. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000.
COSTA JR., Paulo José da. Comentários ao Código Penal. São Paulo: Saraiva, 1997.
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, vol. VII. 4a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1980.
JESUS, Damasio E. Direito Penal: parte especial. 2o vol. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte especial, vol. II. 22a ed. rev. e atual. por Renato N. Fabbrini. São Paulo: Atlas, 2004.
NORONHA, Edgard Magalhães. Código Penal brasileiro comentado: crimes contra o patrimônio, 5o vol., 2a parte. São Paulo: Saraiva, 1952.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
TREPAT, Elena Farré. La tentativa de delito: doctrina y jurisprudencia. Barcelona: Librería Bosch, 1986.