Art. 213.  Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: 
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. 
1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: 
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. 
2o Se da conduta resulta morte: 
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos

 

Aleração legislativa

A lei 12.015/2009 introduziu importante modificação no capítulo dos crimes contra a liberdade sexual, ao unificar sob a rubrica de estupro, os tipos anteriormente previstos como estupro (art. 213) e atentado violento ao pudor (art. 214).

Bem jurídico

O delito de estupro tutela a liberdade sexual de qualquer pessoa, consistente na possibilidade de escolher livremente com quem e quando manter relações sexuais.

Sujeitos do crime

O estupro passou a ser crime comum, tendo como sujeito ativo tanto o homem como a mulher.

Do mesmo modo, o sujeito passivo é qualquer pessoa.

Tipo objetivo

A conduta típica é constranger, que tem o sentido de forçar, coagir, impelir, obrigar. Trata-se de verbo bitransitivo, que pressupõe a existência de objeto direto e indireto. Constranger (obrigar) alguém a alguma coisa, ou seja, constranger alguém (objeto direto) à conjunção carnal ou outro ato libidinoso (objeto indireto).

O verbo constranger é usado pelo Código Penal, no sentido de obrigar. Confiram-se os arts 146, 158, 197, 198, 199, 214. A exceção é o assédio sexual (art. 216-A, CP), no qual a lei usa o verbo no sentido de causar embaraço, provocar vergonha. Essa exceção, aliás, decorre de falta de visão sistemática do legislador, ao fazer a mudança pontual no Código.

Conjunção carnal é a introdução do pênis na vagina. Outro ato libidinoso é qualquer ato sexual que não seja a conjunção carnal, como beijo lascivo, toques genitais, carícias nos seios, sexo oral, coito anal. A lei diz “praticar ou permitir que com ele se pratique” o ato libidinoso. A diferença é que se a vítima é constrangida a praticar ato libidinoso, o papel da vítima no ato sexual é ativo, como na hipótese em que a vítima foi constrangida a praticar sexo oral no autor, que a ameaçara como emprego de arma. Já na segunda hipótese, permitir que se pratique, a vítima é constrangida a ter um papel passivo no ato sexual cometido pelo autor. É o exemplo em que a vítima é submetida ao coito anal (sodomizada) ou o autor pratica na vítima sexo oral. De qualquer forma haverá o crime.

O meio para a prática do estupro é a violência ou a grave ameaça.

Violência é a força física empregada com o intuito de vencer a resistência da vítima. Há que ser idônea a vencer a resistência. Porém, não se exige que seja irresistível, pois é possível que a vítima, ante a agressão inicial do agente, desista de oferecer resistência, para evitar lesões maiores ou, até mesmo, a morte. Nesse caso, haverá estupro, pois a resistência foi rompida com o emprego da violência. Em outras palavras, haverá estupro se a violência tiver rompido com a resistência.

Não há que se exigir uma dupla vitimização da vítima, como se fosse obrigada a sacrificar sua integridade física ao máximo, ou até a vida, para preservar a liberdade sexual.

A grave ameaça é a chamada violência moral que intimida, fazendo com que a vítima, para evitar um mal maior, se entregue à concupiscência do agente. Ressalte-se que a ameaça tem que ser grave, ou seja, séria. Ante a subjetividade do sentido do adjetivo “grave”, deve ser analisada uma proporcionalidade entre o mal prometido e a conjunção carnal.

Se a ameaça consiste em revelar segredos banais, não há configuração do estupro, ante a desproporção entre o mal prometido e a conjunção carnal.

Outro elemento constitutivo do estupro é o dissenso da vítima, que é a oposição sincera à conjunção carnal. Esta oposição tem que ser genuína e não uma recusa insincera, mas não se exige que a vítima exerça qualquer ato heroico, como já dito anteriormente.

Importante tratar sobre o que Hungria chama de “atentado sádico”. A violência, no estupro, tem que ser o meio para vencer o dissenso da vítima e não para a obtenção do prazer sexual. Quando, durante uma relação sexual consentida, o autor passa a agredir a vítima — qualquer que seja o gênero de autor e vítima —, para satisfação da lascívia, inexiste estupro, porquanto a violência não figura como meio para o vencimento da resistência. Ao contrário, não houve oposição ao ato sexual, razão pela qual não há lesão à liberdade sexual da pessoa agredida. Ao reagir à agressão física, a vítima age para defender sua integridade física e não a liberdade sexual. Nesse caso, não existe estupro.

Contudo, deve-se observar que a liberdade sexual pressupõe a possibilidade de interrupção do ato sexual. Se alguém deseja o manter ato sexual e, por qualquer razão, desiste de prosseguir na relação sexual, é livre para fazê-lo. O consentimento anteriormente dado não significa que a outra pessoa pode obrigá-la ao ato sexual, a pretexto de que o consentimento havia sido dado. Em tal caso se um dos parceiros decide interromper a relação sexual e o outro, com violência ou grave ameaça, obriga a desistente a continuar a relação sexual, haverá a configuração do estupro. 

Do mesmo modo, haverá crime de estupro no caso em um homem e uma mulher estão mantendo livremente uma relação sexual e o homem decide manter com a mulher coito anal, o que não é aceito por ela. Nesse caso, se o homem, mediante violência ou grave ameaça, constrange a mulher ao coito anal, estará configurado crime de estupro.

Tipo subjetivo

É o dolo, consistente na vontade livre e consciente de sujeitar a mulher à conjunção carnal, valendo-se da violência ou grave ameaça.

Consumação e tentativa

O momento consumativo se dá com a prática do primeiro ato sexual praticado, seja a conjunção carnal ou o ato libidinoso.

A tentativa é possível, desde que, iniciada a execução e impossibilitada a consumação por qualquer motivo que não seja a vontade do autor. A execução se inicia com o emprego da violência ou grave ameaça, desde que inequívoco o objetivo sexual do agente.

Porém para que se configure o crime tentado, é necessário que não tenha sido cometido nenhum ato libidinoso que, por si só, seja suficiente para a configuração do estupro. Assim, se o agente pretende constranger a vítima a conjunção carnal e, para tanto, realiza atos preambulares que sejam suficientes para a caracterização do ato libidinoso, o crime está consumado, ainda que o agente não consiga a conjunção carnal por razões alheias à sua vontade.

O marido como sujeito ativo do estupro contra a esposa

Nos dias de hoje, é uma obviedade que se diga que o marido pode figurar como autor de estupro contra a própria esposa.

Se o tipo do art. 213 visa tutelar a liberdade sexual, não há, atualmente, como se afirmar que a pessoa fica desprovida de tal bem liberdade ao contrair o casamento. Ora, não existiria liberdade sexual, se a mulher não pudesse recusar, por qualquer motivo, a relação. A posição de Hungria, segundo a qual o homem estaria amparado pelo exercício regular de direito, não se pode ter como aplicável nos dias de hoje. A Constituição Federal impõe a igualdade entre homens e mulheres, em direitos e obrigações (art. 5º, I), razão pela qual seria inadmissível se pensar que a mulher ficaria despojada de sua liberdade sexual, ao casar-se.

Concurso de pessoas

Dispõe o art. 29, CP, que a qualquer forma de colaboração para a prática do crime, significa incidir nas penas cominadas ao referido crime. Assim, se alguém colabora dolosamente para a prática de um estupro, ainda que não tenha praticado o ato sexual, também terá cometido crime de estupro. Isso pode se dar quando uma pessoa ameaça com arma e outra mantém o ato sexual, ou se um transporta outro para o lugar onde ocorrerá o estupro. Enfim, qualquer forma de colaboração dolosa implica o concurso de pessoas.

Pode ocorrer, também, que dois comparsas submetam, sucessivamente, a vítima a prática de dois atos sexuais. Assim, na primeira vez, A ameaça e B mantém conjunção carnal; na sequência inverte-se os papéis e B ameaça e A mantém conjunção carnal. Nesse caso, houve dois crimes, que serão imputados aos dois.

Formas qualificadas 

O § 1º traz duas qualificadoras. A primeira quanto ao resultado, se decorrer do estupro lesão corporal de natureza grave. A lesão grave é uma das hipóteses taxativas dos §§ 1º e 2º, do art. 129, CP. Isso ocorre, por exemplo, se a vítima sofrer, com a violência empregada no estupro, uma fratura em membro que a incapacite para as ocupações habituais por mais de 30 dias (art. 129, § 1º, I, CP).

O § 1º traz ainda a qualificadora em razão da idade da vítima, maior de 14 anos e menor de 18 anos. Em tal caso, pela pouca idade, configura-se a qualificadora. Convém frisar que se a vítima tiver menos de 14 anos, o crime que se configura é o de estupro de vulnerável (art. 217-A, CP).

A pena, para as duas hipóteses, será de 8 a 12 anos de reclusão.

No § 2º vem a hipótese do chamado estupro seguido de morte, que nada mais é que a qualificadora em razão do resultado morte no estupro. Temos aqui um crime preterdoloso, em que há dolo no antecedente e culpa no consequente. Ocorre tal forma qualificada se o agente ao empregar a violência para constranger a vítima à relação sexual, causa culposamente sua morte, como na situação em que a vítima foi submetida ao coito anal e ao ser pressionada contra o colchão morreu por asfixia.

Caso haja dolo na morte, a hipótese é de concurso material de estupro e homicídio. Trata-se de prática comum, em que o autor, após constranger a vítima à relação sexual, decide matá-la, para não ser reconhecido posteriormente. Haverá concurso material entre estupro (art. 213, caput, CP) e homicídio qualificado pelo fim de assegurar a impunidade de outro crime (art. 121, § 2º, V, CP).

Situação diversa ocorrerá se primeiro o autor matar a vítima e depois realizar ato sexual (necrofilia). Como o ato sexual foi praticado com a vítima morte, não se caracteriza o estupro. Haverá concurso entre homicídio e vilipêndio a cadáver (art. 212, CP).

Causas de aumento de pena (art. 226)

O art. 226 traz hipóteses de aumento de pena para o crime contra a dignidade sexual.

No inciso I, há o aumento de 1/4 se o crime for cometido em concurso de pessoas, sejam coautores ou um autor e um partícipe, todos responderão pelo estupro com o aumento de pena.

Já no inciso II, o aumento será de metade, caso exista uma relação autoridade sobre a vítima, descrita na lei: ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima. Contém ainda uma forma genérica, que impõe a interpretação analógica: “por qualquer outro título tem autoridade sobre” a vítima.

Crime hediondo

De acordo com o disposto no art. 1º, V, da Lei 8.072/1990, o estupro é definido com crime hediondo.

A classificação de um crime como hediondo traz as seguintes consequências.

É inaplicável a anistia, graça, indulto e fiança (art. 2º, I e II, Lei 8.072/1990), além de impor o regime fechado como obrigatório para o início de cumprimento de pena (art. 2º, § 1º, Lei 8.072/1990).

No cumprimento da pena, o condenado por crime hediondo só terá direito à progressão de regime, após o cumprimento de 2/5 da pena, se for primário, ou de 3/5 se reincidente (art. 2º, § 2º, Lei 8.072/1990).  A progressão de regime em crimes não hediondos se dá com 1/6 da pena (art. 112, LEP).

O livramento condicional exige o cumprimento de 2/3 da pena, desde que o apenado não seja reincidente em crime hediondo ou equiparados. Caso seja reincidente em crime hediondo ou equiparado, não terá direito ao livramento condicional (art. 83, V, CP).

No que se refere à prisão temporária, o prazo de duração, em investigação de crime hediondo, será de 30 dias, prorrogáveis por igual período. (art. 2º, § 4º, Lei 8.072/1990). A prisão temporária em crime não hediondo tem o prazo de 5 dias, prorrogáveis por mais 5 (art. 2º, da Lei 7.960/1989)

Ação penal

 Nos termos do art. 225, o estupro é crime de ação penal pública condicionada à representação. Nesse caso, a vontade da vítima, materializada com a representação, é imprescindível para que se possa iniciar a persecução penal.

Todavia, se a vítima tiver menos de 18 anos, a ação será pública incondicionada, ou seja, independendo da vontade da vítima, a persecução penal deverá iniciar-se (art. 225, parágrafo único, CP).

Ha hipótese de qualificadora pela lesão corporal grave ou morte (§§ 1º e 2º) e vítima maior de 18 anos, aplica-se a regra do art. 101, CP, referente ao crime complexo, de modo que a ação será pública incondicionada. (Delmanto, 2016, p. 725) (Nucci, 2016, p. 1173)

Bibliografia 

DELMANTO, Celso. et. al. Código Penal Comentado. 9ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2016.

HUNGRIA, Nélson.  Comentários ao código penal. Vol. VII. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

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