Bem jurídico

Incolumidade humana, ou seja, integridade física e psíquica.

Sujeitos do crime

Ativo: Trata-se de crime comum, que pode ser cometido por qualquer pessoa.

Passivo: qualquer ser humano vivo. Nas lesões do §§ 1º, IV, e 2º, V, apenas a mulher grávida. E nas hipóteses dos §§ 9º e 10, as pessoas lá referidas.

Tipo objetivo

A conduta é ofender, que tem o sentido de lesar, ferir. O objeto material é a integridade corporal ou a saúde. Configura-se a ofensa à integridade corporal com a alteração anatômica ou funcional, interna ou externa (fraturas, cortes, queimaduras, etc). Já a ofensa à saúde se dá com a alteração fisiológica ou psíquica, é “a perturbação do normal funcionamento do organismo, englobando inclusive a alteração mórbida do psiquismo” (Régis prado, Luiz. Comentários ao Código Penal. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 512).

A simples dor ou a crise não são suficientes para a configuração do crime (Delmanto, Celso. et. al. Código Penal Comentado. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 474).

Trata-se de crime de ação livre, que pode ser praticado por qualquer meio.

Tipo subjetivo

Dolo direto ou eventual.

Consumação e tentativa

Consumação: com a efetiva ofensa à integridade corporal ou à saúde.

Tentativa: admissível, com exceção do §§ 1º, II e IV, 2º, V, 3º e 6º.

Lesão corporal leve ou simples

Não há definição de lesão corporal leve, exceto por exclusão. Será lesão leve se não tiver ocorrido qualquer dos resultados que caracterizam a lesão corporal grave (§1º) ou gravíssima (2º).

Lesão corporal grave (§ 1º)

Inicialmente, convém destacar que a lei usa a rubrica “lesão corporal de natureza grave” tanto para as hipóteses do § 1º como do § 2º. Todavia, como a pena do § 2º é maior, convencionou-se ao uso do superlativo para designar as lesões descritas no § 2º, chamada pela doutrina e jurisprudência de lesão corporal gravíssima, ficando a expressão “lesão grave”, para as hipóteses do § 1º.

I – Incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias: trata-se da situação em que a vítima ficou impossibilitada, por mais de 30 dias, a exercer atividades ─ laborativas ou não ─ a que estava habituada.

“Mesmo um bebê tem que estar confortável para dormir, mamar, tomar banho, ter suas vestes trocadas etc. Assim, é claro que, com dores resultantes da dupla fratura, passou a vítima, provavelmente enfaixada, por incômodos que, à luz da lei, configuram o quadro de incapacidade para as ocupações habituais, capaz de desencadear a qualificadora que se carregou à acusada” (TJSP – AP – Rel. Dirceu de Mello – RJTJSP 138/442)

“A meretriz exerce atividade imoral, mas não ilícita. Pode, pois, ser vítima de lesão corporal grave, que lhe acarrete incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias” (TACRIM-SP – EI – Rel. João Guzzo – RT 449/425).

II – Perigo de vida: quando em razão da lesão a vítima correu risco de perder sua vida. Trata-se de diagnóstico, de modo que é essencial que se constate o efetivo risco de vida em decorrente da lesão corporal.

III – Debilidade permanente de membro, sentido ou função: membros superiores são as mãos, braços e antebraços; inferiores, os pés e pernas. Sentidos são a visão, audição, olfato, tato e paladar. Função é a atividade dos órgãos, como função respiratória, renal, reprodutora, etc. Debilidade é diminuição da capacidade funcional. Permanente ocorre quando a cura não é previsível.

IV – Aceleração do parto: ocorre com a antecipação do parto, ou seja, quando em razão da lesão sofrida a gestante dá à luz antes do tempo previsto.

  1. Lesão corporal gravíssima (§ 2º)

I – Incapacidade permanente para o trabalho: é a hipótese em que a lesão impede permanentemente a vítima de exercer atividade laborativa. Há duas correntes, uma entendendo que o trabalho é qualquer atividade laborativa outra sustentando que é a específica atividade profissional da vítima.

No julgado abaixo, predominou o entendimento de que se trata de qualquer atividade laborativa:

“Na incapacidade permanente, o ofendido deve ficar privado da possibilidade física ou psíquica de aplicar-se a qualquer atividade lucrativa. E a incapacidade, além de total, deverá ser permanente, ou seja, duradoura no tempo, sem previsibilidade de cessação” (TJSP – AP – Rel. Marino Falcão – RJTJSP 71/331).

A melhor solução é a sustentada por Mayrink da Costa, que entende existir um meio-termo:

“A doutrina advoga que significa qualquer modalidade de trabalho e não a especificamente o trabalho a que a vítima se dedicava. Contudo, há necessidade de serem estabelecidas certas restrições, visto que não se pode exigir de um intelectual ou de um artista que se inicie na atividade de pedreiro. Fixa-se no campo do factualmente possível e não no teoricamente imaginável.” (MAYRINK DA COSTA, Álvaro. Direito Penal: parte especial, vol. 4. 6ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2008, p. 358)

II – Enfermidade incurável: trata-se de doença que não pode ser curada pelo atual estágio da medicina. Tanto pode ser doença física como mental. A transmissão dolosa de AIDS, que atualmente é uma doença crônica, configura esse crime.

III – Perda ou inutilização de membro, sentido ou função: Perda ocorre quando a vítima deixa de ter o membro (amputação ou decepamento), o sentido ou a função. Já a inutilização significa que o membro não foi perdido, mas ficou absolutamente sem capacidade (se houver perda parcial da capacidade, a lesão é grave, pois significa debilidade). É o que ocorre quando por corte no tendão, a vítima fica com o braço totalmente sem movimento; a vítima não perdeu o membro, já que este continua ligado ao corpo, mas seu membro ficou totalmente inutilizado, pois sem nenhum movimento voluntário.

Na hipótese de órgão duplo, a perda de um só não configura a lesão gravíssima, mas apenas a grave, porquanto a função ou o sentido não foram perdidos, mas apenas ficaram debilitados. Isso ocorre quando a vítima perde a visão de um olho ou a audição de um ouvido, já que a visão ou audição ficaram limitadas, mas existem.

“Desclassifica-se o crime de lesão corporal gravíssima para grave quando ocorrer ablação ou inutilização de apenas um dos elementos componentes de determinada função ou sentido, como acontece em relação àqueles que se apóiam em órgãos duplos, acarretando tão-só a diminuição funcional do organismo e não a sua perda” (TAMG – AP – Rel. Freitas Barbosa – RT611/407).

“O ter ficado a vítima praticamente cega não importa na capitulação do delito no § 2.º, III, do art. 129 do CP, porque aí se fala em perda ou inutilização de membro, sentido ou função, o que não ocorre se, embora com diminuto alcance, ainda pode aquela usar a vista atingida pela agressão do réu” (TACRIM-SP – AP – Rel. Azevedo Júnior – RT404/269)

IV – Deformidade permanente: Trata-se de dano estético que produz na vítima permanente desconforto, afetando sua dignidade e autoestima. Ocorre, por exemplo, quando o agente atira no rosto da vítima ácido, causando graves danos estéticos. Tem-se entendido que a perda de um olho, desde que cause danos estéticos (Atenção, se a vítima fica “cega” de um olho, mas este não gera dano estético, terá ocorrido lesão corporal grave, por debilidade de sentido (art. 129, § 1º, III), mas se há o dano estético significativo, trata-se de lesão corporal gravíssima, pela deformidade permanente – art. 129, § 2º, IV), configura a deformidade permanente, não desconfigurando o fato de a vítima usar olho de vidro. Também não impede a configuração da qualificadora a possibilidade de que a deformidade seja corrigida por cirurgia plástica.

“A vitriolagem, caso raro nos tempos atuais, é crime perpetrado mediante arremesso de ácido sulfúrico contra a vítima, com o objetivo de lhe causar lesões corporais deformantes da pele e dos tecidos subjacentes, inserindo-se, pois, no art. 129, § 2.º, IV, do CP” (TJSP – AP – Rel. Andrade Junqueira – RT 563/323).

“É irrecusável que a perda de um olho representa inegável deformidade permanente, porque se trata de lesão indelével, irreparável e excludente da possibilidade de uma restitutio in integrum. Impõe-se a solução, máxime porque a deformidade, na hipótese, sequer fica dissimulada pela utilização de um olho de vidro” (TACRIM-SP – AP – Rel. Xavier Homrich – JUTACRIM 41/174).

“Para a caracterização do crime previsto no art. 129, § 2.º, IV, do CP, basta que o prejuízo estético, decorrente de deformidade permanente, cause impressão de desagrado, acarretando vexame a seu portador, sendo irrelevante que a lesão possa ser removida mediante cirurgia plástica ou de que não tenha acarretado prejuízo financeiro ou moral à vítima, eis que a circunstância que deve ser levada em conta centra-se exclusivamente na estética” (TJSP – 3.ª C. Extr. – AP 273.556-3/5-00 – Rel. Donegá Morandini – j. 22.08.2001 – RT 798/585).

 

Aborto: O aborto decorre da lesão corporal. Trata-se de um crime preterdoloso, de modo que há dolo no antecedente (lesão corporal) e culpa no consequente (aborto). Se o agente tiver dolo de causar o aborto, não se configura lesão gravíssima, e sim aborto sem consentimento da gestante (art. 125, CP). Impossível nesse caso a tentativa de lesão gravíssima.

Lesão corporal seguida de morte (§ 3º)

Também chamado de homicídio preterdoloso ou preterintencional, a lesão corporal seguida de morte caracteriza-se por ser cometido com dolo na lesão e culpa (art. 19, CP) na morte.

“O crime preterintencional é uma nova infração, resultante da fusão dos dois crimes: o doloso (de mera conduta ou de resultado) e o evento agravante (estranho à vontade do autor). Por isso, na lesão corporal seguida de morte, p. ex., a lesão corporal é o componente do tipo fundamental (Sc., o minus delictum que o delinqüente queria praticar) e a morte (majus delictum que vem a verificar) e o resultado imputado a título de culpa.” (TJSP – AP – Rel. Djalma Lofrano – RJTJSP 104/453)

“Configura-se o delito de lesão corporal seguida de morte na hipótese em que segurança de casa noturna conduz, de forma truculenta, pessoa embriagada, de idade avançada e compleição física inferior, para fora do estabelecimento, havendo liame causal entre a conduta do agente e o resultado morte que, embora não desejado, decorreu de tal ato, conforme aduz o art. 129, § 3.º, do CP” (TJSP – 1.ª C. Extr. – AP 322.714-3/8-00 – Rel. Marco Antonio – j. 17.11.2004 – RT 833/523)

É preciso se atentar que se houver dolo (direto ou eventual) na morte, configura-se homicídio e se não houver culpa na morte, o agente responde só por lesão corporal.

Assim, quando o agressor usa de extrema violência contra a vítima, que é surrada quando já está no chão, age com dolo eventual, respondendo por homicídio.

Por outro lado, casos há em que o agente agride a vítima com dolo, mas causa a morte de um modo imprevisível, o que descaracteriza a culpa no resultado, respondendo o agente apenas por lesão corporal. Isso porque o art. 19, CP, diz que pelo resultado que agrava a pena, o agente só responderá se o houver causado, ao menos, culposamente.

Lesão corporal seguida de morte. Hipótese de caso fortuito. Desclassificação. Lesão corporal simples – “Em caso de morte resultante de lesão corporal, evidenciando a prova que tal resultado não foi previsto nem previsível pelo agente, por isso inevitável o evento final, ocorre a hipótese de mero caso fortuito, respondendo o acusado por lesão corporal simples” (TJRS – AP 70002586931 – Rel. Silvestre Jasson Ayres Torres – j. 03.10.2001 – RJTJRGS 214/136)

Para se compreender bem o crime preterdoloso, deve-se raciocinar como se fossem dois os crimes. Primeiro o de lesão corporal dolosa; depois o crime de homicídio culposo. Assim, deverá quanto ao “homicídio culposo” (na realidade o resultado morte causado culposamente, que qualificará a lesão corporal) observar se estão presentes todos os requisitos do crime culposo.

Abaixo, alguns casos da jurisprudência:

“Embora houvesse a possibilidade de evitar a morte, caso as lesões tivessem sido identificadas na tomografia, a agressão do réu, que fez com que a vítima batesse a cabeça no meio-fio, fraturando o crânio, está na linha de desdobramento do evento fatal. Somente circunstâncias supervenientes relativas ou absolutamente independentes da conduta têm o condão de afastar a imputação do agente, não estando abrangidos nesse rol o diagnóstico tardio da fratura ou a falta de tratamento, que podem, no entanto, ter contribuído para a morte. Ao agente não deixa de ser imputável o resultado, ainda quando para a produção deste se tenha aliado a sua ação uma concausa superveniente, mas que por si só não causou o resultado” (TJDF – 2.ª T. – AP 2000045005508-0 – Rel. Sandra de Santis – j. 15.03.2001 – RT 795/646)

“Os seguranças de supermercado que abordam de forma ríspida, humilhante e agressiva um octogenário, em razão de suspeitarem haver ele deixado de pagar o produto que adquirira, fato que teria acarretado distúrbio psíquico na vítima, que caiu, desfalecida, no estacionamento do estabelecimento comercial, vindo a falecer pouco depois, cometem o crime de lesão corporal seguida de morte. A hipótese é de autêntico crime preterdoloso, havendo dolo no antecedente (lesão à saúde) e culpa no resultado subsequente (morte)” (TJMG – 2.ª C. – AP 1.0145.01.01324801/001 – Rel. Herculano Rodrigues – j. 11.11.2004 – JM 170/368)

Lesão corporal privilegiada (§ 4º)

Trata-se de previsão idêntica a do homicídio privilegiado, agora cabível em crime de lesão corporal, seja a leve, grave, gravíssima ou seguida de morte.

A pena deverá ser diminuída de um sexto a um terço.

Substituição da pena (§ 5º)

Se forem leves as lesões, o juiz poderá substituir a pena de detenção por multa, se ocorrer a lesão privilegiada do parágrafo anterior ou se forem recíprocas as lesões.

Lesões recíprocas ocorrem quando duas pessoas dolosamente se agridem. Não se configura se um dos agentes tiver agido em legítima defesa.

Lesão corporal culposa (§ 6º)

Trata-se da hipótese em que o agente deixa de observar um dever de cuidado, vindo a dar causa a uma lesão corporal previsível.

Não existe a classificação da lesão corporal culposa em leve, grave ou gravíssima. Apenas diz-se lesão corporal culposa.

Se for na condução de veículo automotor a lesão culposa, configura-se o art. 303 da Lei 9.503/97.

Aumento de pena (§ 7º)

Se ocorrer qualquer das hipóteses do § 4º, do art. 121.

Perdão judicial na lesão corporal culposa (§ 8º)

Tal qual o homicídio, se ao causar a lesão culposa o agente sofreu as consequências do crime de modo tão grave que torne desnecessária a pena, o juiz concederá o perdão judicial.

Violência doméstica (§§ 9º e 10)

Será qualificada (detenção de 3 meses a 3 anos) a lesão corporal leve se ocorrer qualquer das hipóteses do § 9º.

E será aumentada a pena de um terço se ocorrer a lesão grave, gravíssima ou seguida de morte.

Aumento de pena por ter sido o crime cometido contra pessoa portadora de deficiência. (§ 11)

Aumenta-se a pena de um terço.

Ação penal

O Código Penal nada diz sobre a ação penal do crime de lesão corporal, o que significa que vigora a regra, que é a de ação penal pública incondicionada. Assim foi até a entrada em vigor da Lei 9.099/95.

No art. 88 da Lei 9.099/95, estabeleceu que os crimes de lesão corporal leve e lesão corporal culposa serão de ação penal pública condicionada à representação.

A Lei Maria da Penha não dispôs diversamente sobre a ação nos crimes de lesão corporal leve, cometida no contexto de violência doméstica. No art. 12, I, diz que autoridade policial deverá “tomar a representação a termo”. E no art. 16 estabeleceu-se que uma vez oferecida a representação, a retratação somente poderá ser feita em juízo, “em audiência especialmente designada com tal finalidade”.

Contudo, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a lesão corporal no contexto de violência doméstica contra a mulher é de ação penal pública incondicionada (“AÇÃO PENAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER – LESÃO CORPORAL – NATUREZA. A ação penal relativa a lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada.”  STF — ADI 4424 / DF — Pleno — Rel. Min. Marco Aurélio — j.09-02-2012)

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