Bem jurídico
A razão da tipificação da omissão de socorro reside na tutela da vida e da integridade física da pessoa. Ao contrário do que se afirma, não se protege a solidariedade humana; apenas se impõe ao cidadão a solidariedade, com o fim de proteger a vida e a integridade física.
Há controvérsia doutrinária sobre o alcance do bem jurídico tutelado. Para Noronha (NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. vol. 2. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 105) e Costa Jr. (COSTA JR., Paulo José da. Comentários ao Código Penal. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 410), haverá crime de omissão de socorro se uma pessoa se omite ao saber da existência de um crime de seqüestro e cárcere privado (art. 148), porque a liberdade pessoal seria também um bem jurídico tutelado. Todavia, mais correto é o entendimento de Damasio (JESUS, Damasio E. Direito Penal: parte especial. 2º vol. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 175), Pierangeli (PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte especial. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 171) e Bitencourt (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial. vol. 2. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 292), segundo os quais apenas a vida e a integridade física são bens jurídicos tutelados por este delito.
- Sujeitos do crime
Sujeito ativo é qualquer pessoa; a lei impõe um dever genérico de prestar assistência, sem exigir qualquer condição especial.
Já o sujeito passivo é:
a) criança abandonada ou extraviada: abandonada é a que foi deixada por familiares em qualquer lugar, onde não tenha condições de sobreviver, extraviada é a que se perdeu de seus familiares.
b) pessoa inválida ao desamparo: inválida é a pessoa que não tem condições de sobrevivência, nas condições em que se encontra; é a pessoa indefesa, que encontra-se desamparada, ou seja, sem proteção ou assistência.
c) pessoa ferida ao desamparo: ferida é a pessoa que sofreu algum tipo de lesão e, por isso, se encontra sem condições de defender-se.
d) qualquer pessoa em grave e iminente perigo: independentemente de sua condição, pode ser sujeito passivo, pessoa que se encontre em perigo grave e iminente. Assim, um adulto que tenha caído em poço, mesmo que não seja inválido nem esteja ferido, poderá figurar como sujeito passivo deste delito.
Tipo objetivo
A conduta é deixar de prestar assistência, que significa não socorrer, omitir socorro, abster-se de socorrer. Não importa que comportamento teve o agente, se ficou presente, se saiu, etc; basta que não tenha feito o que a lei determina, ou seja, prestar assistência. Essencial à configuração da conduta típica, que a omissão se dê em face de pessoa que se encontre em uma das situações anteriormente descritas.
Como todo crime omissivo, a abstenção só será típica se o sujeito tinha possibilidade de agir. Se não há como socorrer, inexiste a conduta típica. Nesse sentido, o tipo traz a locução “sem risco pessoal”, com a qual fica excluída a tipicidade se para prestar socorro, o agente tiver que expor sua própria vida ou integridade física a perigo. Não teria sentido que para preservar o bem jurídico da pessoa que se encontre na situação de perigo, a lei exigisse que outro indivíduo expusesse sua própria vida ou integridade física em perigo. Assim, se alguém se afoga em uma lagoa e quem assiste a isso não sabe nadar, seria um despropósito exigir que este indivíduo colocasse sua própria vida em perigo para salvar aquele que está se afogando.
A outra conduta descrita é não pedir socorro da autoridade pública.
Há, como se vê, duas formas de socorro: o direto, e o indireto. O socorro direto ocorre quando a própria pessoa socorre, usando para isso seus próprios recursos. No socorro indireto o indivíduo, ao invés de socorrê-lo, chama a autoridade pública (corpo de bombeiros, ambulância, salva-vidas, etc) para que esta realize o socorro.
O entendimento predominante sempre foi no sentido de que só é válido ao agente lançar mão do socorro indireto, quando for impossível socorrer diretamente. Todavia, tem sido difundida a idéia de que o melhor, em acidentes, é chamar a autoridade pública, para evitar que um socorro mal feito redunde em danos à integridade física (como lesões na coluna cervical). Quando o agente opta pelo socorro indireto por entender que este é o melhor modo de garantir a integridade física da pessoa em perigo, não há que se falar em crime, pois agiu para melhor preservar o bem jurídico tutelado.
Em hipóteses de acidente, em que a vítima tem morte instantânea, mesmo que o omitente não tenha consciência disso, não há que se falar em crime de omissão de socorro. Como a omissão de socorro é crime de perigo, inexiste o delito se não houver bem jurídico a ser tutelado. (Sobre este tema, confira-se na seção Dúvidas comentadas, neste site, a questão: Homicídio culposo e omissão de socorro)
Tipo subjetivo
Trata-se do dolo de perigo, ou seja, a vontade livre de abster-se de socorrer, com a consciência da situação de perigo em que se encontra a vítima.
É irrelevante a motivação do agente, se egoística ou não.
Consumação e tentativa
Consuma-se com a simples abstenção, ou seja, no exato instante em que a vítima poderia agir e preferiu omitir o socorro estará consumado o crime.
É impossível a tentativa, por tratar-se de crime omissivo próprio.
Formas majoradas
O parágrafo único do art. 135 prevê duas causas de aumento de pena, se o resultado for decorrente da omissão de socorro. Se houver lesão corporal grave (art. 129, §§ 1º e 2º), a pena será aumentada de metade. Se o resultado for a morte, a pena será triplicada. “Há que ser provada — diz Mayrink da Costa — a relação de causalidade entre a omissão e o resultado decorrente.” (MAYRINK DA COSTA, Álvaro. Direito Penal: parte especial, vol. 4. 6ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2008, p. 463)