Bem jurídico
O tipo do sequestro e cárcere privado tutela a liberdade física, chamada liberdade de ir e vir.
Sujeitos do crime
Sujeito ativo é qualquer pessoa (crime comum).
Sujeito passivo é qualquer pessoa.
Tipo objetivo
A conduta é privar, no sentido de tolher, restringir a liberdade. Pode ser feita mediante detenção ou retenção. Detenção se dá com o deslocamento da vítima de um lugar para outro, onde ficará com a liberdade privada, como no caso em que a pessoa está na rua e é levada em um veículo até determinado lugar. Já a retenção é a privação da liberdade da vítima no lugar onde ela já se encontrava, como no exemplo do marido que priva a liberdade da esposa, impedindo-a de sair da própria casa.
Pode ser feito com qualquer meio, violência, grave ameaça, fraude ou substância que impeça a reação da vítima (drogas, soníferos).
A diferença entre sequestro e cárcere privado é que no sequestro a privação da liberdade é menos intensa. Existe o enclausuramento, que pode ser em uma chácara, casa ou ilha deserta. Já o cárcere privado contém uma restrição à liberdade mais intensa, havendo o confinamento em um cubículo, quarto, banheiro ou porta-malas de um veículo.
Tipo subjetivo
Trata-se de crime doloso, que exige a vontade livre e consciente de privar a liberdade da vítima. Não há previsão de nenhum elemento subjetivo, o que, aliás, é a distinção do crime de extorsão mediante sequestro (vide item 6).
Consumação e tentativa
Consuma-se com a privação de liberdade. O sequestro e cárcere privado é crime permanente, cuja consumação se prolonga no tempo. Enquanto houver a privação de liberdade, independentemente do tempo de duração, o crime estará se consumando, o que torna possível a prisão em flagrante, além de ser relevante para a contagem do prazo prescricional e para a questão da lei penal no tempo.
A tentativa é teoricamente possível “O crime de seqüestro é material e não formal. Admite, pois, a figura da tentativa” (STF – HC – Rel. Antônio Neder –RT 509/452).
Concurso aparente de normas
Em face de outros crimes mais graves, que podem ter a privação de liberdade como meio, constata-se que o sequestro e cárcere privado é crime subsidiário.
O sequestro e cárcere privado distingue-se da extorsão mediante sequestro (art. 159, CP) simplesmente em razão da finalidade do agente. Na extorsão mediante sequestro basta que o sequestro tenha sido feito com a finalidade de obtenção do resgate.
“Provado que o agente privou alguém da faculdade de locomoção, condicionando a liberação ao pagamento de resgate, sua conduta se insere no modelo desenhado no art. 159 do CP, não se podendo desclassificá-la para o art. 148 do CP, porque neste o seqüestro é desprovido da finalidade que animou o primeiro comportamento, qual seja, obter vantagem como condição ou preço do resgate” (TJMG – 1.ª C. – AP 318.962-6 – Rel. Audebert Delage – j. 07.03.2001 – RT 794/691).
No tipo do art. 148 existe apenas o dolo de privar a liberdade da vítima, no do art. 159, além do dolo de privar a liberdade, há o elemento subjetivo do tipo, que é o fim de obter vantagem com o resgate. A diferença, pois, é puramente subjetiva.
No crime de roubo, há a previsão de uma causa de aumento de pena, se o autor mantiver a vítima “em seu poder, restringindo sua liberdade”. Nessa hipótese, a privação de liberdade da vítima é menos intensa[3] e é feita com a finalidade exclusiva de efetivar a subtração.[4]
“Ocorre roubo qualificado previsto no art. 157, § 2.º, V, do CP, na hipótese em que o agente mantém a vítima por cerca de 15 minutos em seu poder, restringindo a sua liberdade, tempo esse mais do que suficiente para a configuração da qualificadora, porquanto o verbo ‘restringir’, utilizado pelo legislador, é de menor intensidade que a privação referida no art. 148 do mesmo diploma legal, sendo certo que, se o período for prolongado, nasce um crime autônomo, de seqüestro e cárcere privado, a ser considerado em concurso material” (TACRIM-SP – AP 1.225.801/5 – Rel. Roberto Mortari – j. 06.02.2001 – RJTACRIM-SP 50/146).
“O crime de seqüestro, previsto no art. 148 do Código Penal, pressupõe a vontade livre, consciente e autônoma de privar o ofendido da liberdade de locomoção. Não há falar na incidência do art. 148 do CP, mas, sim, do art. 157, § 2.º, V, do mesmo diploma material, se a privação da liberdade da vítima, se dá unicamente para a prática do crime de roubo. Tal circunstância, todavia, poderá influir no quantum de acréscimo decorrente da aplicação da causa especial de aumento de pena” (STJ – RE 265.344 – Rel. Hamiltom Carvalhido – j. 26.03.2002 – RSTJ 168/576).
Muito semelhante é a diferença do sequestro e cárcere privado da extorsão majorada (art. 158, § 2º, CP), crime que se pratica com violência ou grave ameaça, na qual a restrição de liberdade ocorre para obrigar a vítima a fazer ou deixar de fazer algo que represente vantagem econômica para o autor.
“Os agentes que, armados, adentram a residência do gerente de banco, rendem seus familiares, e o obrigam a ir até a agência e abrir o cofre para a retirada do dinheiro, praticam o delito de extorsão majorada pelo concurso de pessoas e pelo emprego de arma. Uma vez que a vantagem patrimonial visada pelos agentes não está consubstanciada na exigência de um preço ou uma condição para o resgate de alguém, não há que se falar em crime de extorsão mediante seqüestro. Impossível o reconhecimento do delito previsto no art. 148, em concurso material, porquanto a privação da liberdade dos familiares da vítima mediante ameaça foi meio para a obtenção da vantagem patrimonial indevida. Solução diversa acarretaria intolerável bis in idem” (TAMG – 2.ª C. Mista – AP 409.542-7 – Rel. Alexandre Victor de Carvalho – j. 11.11.2003 – RT 821/670).
Diferencia-se do crime de subtração de incapazes (art. 249, CP), pois este é um crime contra o pátrio poder, em que se retira o incapaz de quem de direito, sem que haja privação de sua liberdade. A subtração de um recém-nascido da maternidade, para criar a criança como se seu filho fosse, não configura o delito de sequestro e cárcere privado, pois não há a privação de liberdade física da vítima, mas sua subtração de quem o tem sob sua guarda.
“Provada que a intenção do agente não era de privar a criança de sua liberdade de locomoção, mas ao contrário, de tê-la para si, e criá-la como se sua fora, impõe-se a desclassificação do crime de seqüestro a ele atribuído para o delito de subtração de incapazes previsto no art. 249 do CP” (TJSP – AP – Rel. Péricles Piza – RT 698/327).
Figuras qualificadas
Circunstâncias do § 1º
A pena será de 2 a 5 anos de reclusão, se ocorrer umas das seguintes situações:
Se o crime for contra ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 anos (I).
Se ocorrer mediante internação, hipótese mais grave por se caracterizar mediante fraude (II).
Se durar mais do que 15 dias, o que significa uma maior lesão à liberdade da vítima (III).
Se a vítima tiver menos de 18 anos, o que é considerado pelo legislador como indicador de maior fragilidade da vítima (IV).
Se o crime for cometido com fins libidinosos. Não é necessário que o ato libidinoso se realize, bastando a finalidade do autor. Caso a violência sexual seja praticada, haverá concurso material de delitos (art. 69, CP), com a aplicação cumulativa das penas. Porém, se a privação de liberdade ocorrer apenas como meio para a prática do estupro, o crime de sequestro e cárcere privado fica absorvido pelo de estupro (art. 213, CP).
Grave sofrimento
Se houver “grave sofrimento físico ou moral”, decorrente de maus-tratos ou da natureza da privação da liberdade, a pena será de 2 a 8 anos. É a hipótese em que o sofrimento é extraordinário, além do sofrimento inerente à privação de liberdade, ou seja, é preciso que se demonstre que o sofrimento foi além daquele que, ordinariamente, resulta do crime.
Maus-tratos ocorre com o uso de violência, privação de alimentos ou de cuidados.
“O crime de cárcere privado, com grave sofrimento (físico e moral) para a vítima, está plenamente configurado pela circunstância de ter o agente prendido a amásia com corrente, algemas e cadeado, infligindo-lhe sofrimento. Não tem procedência a pretensão de desclassificar-se tal infração para a definida no art. 146 do CP, porque são essentialia deste último delito, a imposição de fazer ou não fazer algo que a lei respectivamente não manda, ou ao revés, permite; a efetiva consecução do fim do agente: o dolo específico” (TJSP – AP – Rel. Prestes Barra – RJTJSP 53/318).
Natureza da detenção é a forma como é feita a privação de liberdade, como do exemplo de alguém confinado em um cubículo úmido ou pouco ventilado.
“Faz-se presente a qualificadora do seqüestro, pela ‘natureza da detenção’ (§ 2.º do art. 148 do CP), se a vítima fica confinada, durante horas, no porta-malas do automóvel dos seqüestradores, portanto em lugar sem ventilação, agravando-se os sofrimentos, em excesso à forma simples do crime” (TJSP – AP – Rel. Bittencourt Rodrigues – RT 752/567).