Noção
A expressão crime qualificado ou agravado pelo resultado é usada para designar crimes em que há um tipo derivado, com pena mais grave, em razão da ocorrência de um resultado que não faz parte do tipo básico.
Nos artigos transcritos abaixo, todos do Código Penal, há a indicação do tipo básico (1) e do tipo derivado (2), que é a forma qualificada em razão da ocorrência de um resultado mais grave do que o contido no tipo básico.
DAS LESÕES CORPORAIS
Lesão corporal
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: (1)
Pena – detenção, de três meses a um ano.
(…)
Lesão corporal seguida de morte
3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzí-lo: (2)
Pena – reclusão, de quatro a doze anos.
Roubo
Art. 157 – Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência(1)
Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
(…)
3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa. (2)
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (1)
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
(…)
2o Se da conduta resulta morte: (2)
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos
Preterdoloso
Preter é um sufixo que tem o sentido de “além de”, de modo que preterdolo significa além do dolo, que se caracteriza se o resultado se dá além do dolo, ou seja, havia dolo no crime-base, mas houve um resultado que não era abrangido pelo dolo.
O crime preterdoloso é aquele em que “o agente pratica dolosamente um fato anterior do qual decorre um resultado posterior culposo.” (Pablos de Molina, 2007, p. 422)
É uma espécie de crime qualificado pelo resultado, no qual há dolo no delito-base e culpa no resultado previsto no tipo-derivado.
A ação criminosa tem um início doloso e um fim (resultado) culposo. Em outras palavras há dolo no antecedente (tipo básico) e culpa no consequente (resultado contido no tipo derivado). Para Miguel Reale Jr., no crime “preterdoloso, há um crime doloso básico, inicial, a que se segue de forma homogênea o agravamento do mesmo bem jurídico que não se queira causar, mas que se causa culposamente, ultrapassando-se, desse modo, a intenção.” (Reale Jr., 2002, p. 263)
#1
Proibição de aplicação de responsabilidade objetiva (art. 19, CP)
O art. 19, CP, determina que só haverá responsabilidade pelo resultado, se o agente houver causado o resultado ao menos culposamente. Isso significa que para que exista responsabilidade pelo resultado que agrava o crime, não basta nexo causal, pois é preciso, pelo menos, que o resultado seja culposo. O resultado não será atribuído ao agente, quando, apesar de derivar da prática de um crime (na forma do tipo básico), não for previsível o resultado qualificador (contido no tipo derivado). “Para que o agente responda pelo resultado involuntário produzido é imprescindível que ele seja previsível.” (Pablos de Molina, 2007, p. 422)
Dica: Isso significa que no que se refere ao resultado qualificador, é preciso uma análise como se fosse um crime culposo separado, o que impõe a análise de todos os elementos do crime culposo. Em certas situações pode faltar a previsibilidade, sem a qual não há crime culposo.
“Os seguranças de supermercado que abordam de forma ríspida, humilhante e agressiva um octogenário, em razão de suspeitarem haver ele deixado de pagar o produto que adquirira, fato que teria acarretado distúrbio psíquico na vítima, que caiu, desfalecida, no estacionamento do estabelecimento comercial, vindo a falecer pouco depois, cometem o crime de lesão corporal seguida de morte. A hipótese é de autêntico crime preterdoloso, havendo dolo no antecedente (lesão à saúde) e culpa no resultado subseqüente (morte)”. (TJMG – Ap. 1.0145.01.013248-1/001 – Rel. Herculano Rodrigues – j. 11.11.2004 – JM 170/368).
Em discussão de trânsito, um homem de compleição média desfere um soco no rosto do outro motorista. Ao ser atingida, a vítima se desequilibra e cai, batendo a têmpora em uma pedra na rua. Apesar de socorrida, a vítima adquire um coágulo no cérebro e morre na cirurgia.
Crime qualificado pelo resultado
- Todo crime preterdoloso é qualificado pelo resultado
- Nem todo crime qualificado pelo resultado é preterdoloso
Além do crime preterdoloso, há outras figuras de crimes qualificados pelo resultado, os crimes qualificados pelo resultado integralmente dolosos e os integralmente culposos.
#2
Ressalte-se que é impossível se cogitar da existência de um crime culposo com resultado qualificador doloso. “Se o delito-base for culposo, evidentemente o resultado mais grave não pode ter sido consentido pelo agente.” (Reale Jr., 2002, p. 265). É certo que existe a possibilidade de que um crime culposo seja agravado pela conduta dolosa posterior do agente, como ocorre no homicídio culposo majorado pela omissão de socorro (art. 302, § 1º, III, Código de Trânsito Brasileiro). Mas em tal caso, não se cuida de crime qualificado pelo resultado, pois a causa de aumento de pena não decorre de um resultado, mas de uma conduta omissiva do agente.
Crime qualificado pelo resultado integralmente doloso
Nos crimes de latrocínio e de extorsão mediante sequestro qualificado pela morte, tanto haverá o crime se o resultado for doloso ou culposo. Como a classificação é abstrata, ou seja, do tipo, tais crimes não são preterdolosos.
#3
Crime qualificado pelo resultado integralmente culposo
É possível também a existência de um crime culposo qualificado pelo resultado. Nesse caso, o tipo-base é culposo e a qualificadora é também culposa, há culpa no delito-base e culpa no resultado agravador.
Exemplo é o crime culposo de incêndio, qualificado pela morte culposa (art. 251, § 3º, c.c. art. 258, in fine, CP). Em tal caso, o agente responderá pela pena do crime de incêndio culposo, aplicada cumulativamente com a pena do homicídio culposo.
#4
Tentativa no crime preterdoloso
Na doutrina predomina a afirmativa de que não é possível a tentativa de crime preterdoloso, pois se o resultado é culposo, sua não ocorrência, na medida em que não é dolosa, não pode configurar a tentativa. Assim, se o agente comete o crime-base e não há o resultado qualificador, não se pode falar em tentativa, pois o resultado não era almejado pelo agente.
Ocorre que há a possibilidade de o agente iniciar a execução do o crime-base, não conseguir a consumação, mas, em decorrência da tentativa do crime-base, produzir o resultado qualificador culposo. É o que se dá no exemplo de Gomes e Molina, em que o agente tenta provocar o aborto na gestante, o aborto não se produz, pois feto expulso sobrevive, mas desse fato resulta a morte da gestante. Em tal situação haverá “tentativa de aborto qualificado pelo resultado”. (Pablos de Molina, 2007, p. 423)
Bibliografia
PABLOS DE MOLINA, Antonio García. GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
REALE JR., Miguel. Instituições de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro, 2002.