Bem jurídico
Trata-se de crime de perigo, portanto o bem jurídico tutelado é a vida, a integridade corporal e a saúde.
“O crime de maus-tratos, em qualquer de suas modalidades, é crime de perigo: necessário e suficiente para a sua existência é o perigo de dano à incolumidade da vítima.” (TJMG – AP 267.609-6/00 – Rel. Márcia Milanez – j. 07.08.2001 – JM 160/605).
Sujeitos do crime
Crime próprio, somente comete o crime quem possui com o sujeito passivo relação jurídica especificada: autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação ensino, tratamento ou custódia.
“Embora não sendo pai da vítima, pode o amásio de sua mãe figurar como sujeito ativo do delito de maus-tratos se restar comprovado que, na ocasião dos fatos, encontrava-se aquela sob sua autoridade, guarda e vigilância” (TACRIM-SP – AP – Rel. Lourenço Filho – RJD 17/119).
“Respondem por maus tratos os responsáveis por nosocômio que submetem doentes mentais a condições desumanas, trabalhos exaustivos, redução de alimentação, agressões e confinamento em locais inadequados. Suficiente à configuração do delito é o perigo de dano à incolumidade da vítima” (TACRIM-SP – AP – Rel. Goulart Sobrinho – JUTACRIM 49/289).
Sujeito passivo é a pessoa que esteja subordinada a uma das situações descritas.
“Filho maior de idade ou mulher casada não podem ser sujeitos passivos de maus-tratos aplicados pelo pai ou marido, porque entre eles e o agente não há vínculo jurídico de subordinação, para os fins de educação ou guarda” (TARS – AP – Rel. Celeste Vicente Rovani – RT 577/424).
Tipo objetivo
A conduta é expor a perigo, mediante uma das formas descritas. Crime de ação vinculada, a conduta só será típica se a exposição a perigo se der mediante uma das formas de execução: a) privação de alimentos, b) privação de cuidados indispensáveis, c) sujeição a trabalhos excessivos ou inadequados ou d) abuso dos meios de disciplina e correção.
a) privação de alimentos: a privação pode ser absoluta, quando o autor não dá nenhuma comida à vítima, ou ou relativa, quando a vítima recebe comida insuficiente. Em qualquer hipótese, só haverá o crime se a vítima não puder, por seus próprios meios, obter alimentação, seja pela idade ou por sua condição física. No caso de privação absoluta de alimentos, por um período considerável de tempo, o crime que se configura é o homicídio, tentando ou consumado.
b) privação de cuidados indispensáveis: trata-se da privação cuidados relacionados à saúde da vítima, que não tem condições de se cuidar sozinha. Como privar de higiene, de agasalho no frio, de banho de sol, quando necessário. Há situações em que a pessoa é privada de alimentação e de cuidados indispensáveis, em tal caso haverá um só crime, devendo o juiz levar em conta a gravidade na fixação da pena.
“Pratica o crime de maus-tratos, previsto no art. 136 do CP, o agente que expõe sua curatelada, pessoa com problemas mentais, a perigo de vida e saúde, privando-a de sua alimentação e medicação. (…) Para uma pessoa, nas condições da vítima, duas coisas são básicas e imprescindíveis à sua sobrevivência: alimento e medicação. E o réu a privou não só de uma, mas das duas coisas, colocando, sem dúvida alguma, sua saúde em risco. O crime de maus-tratos está caracterizado, pois, por ser ele um crime de perigo, não se exige, para sua configuração, o dolo de dano, mas tão-só relativo ao primeiro: basta, para a sua consumação, que o agente coloque em efetivo risco a saúde ou a vida da vítima, de quem tem a guarda, tutela, curatela, não sendo necessária a habitualidade de tal conduta, embora ela, às vezes, possa se fazer presente, mesmo não sendo necessária para a configuração do delito. Todavia, no presente caso, o réu não só colocou em risco a ofendida como lhe ocasionou dano efetivo, pois foi relatado pela testemunha, Quedma, que a vítima teve que ser internada em razão de uma crise emocional, ocorrida imediatamente após os fatos relatados na denúncia. Se o réu efetivamente agrediu a vítima ou não, isto não tem a menor importância para o deslinde deste caso, vez que a crise emocional – e, portanto, o dano – restou amplamente demonstrado nos autos. Sendo assim, acertada a condenação do recorrente por crime de maus-tratos, contra pessoa de que detinha a curatela, nos termos do art. 136, caput, do CP” (TACRIM-SP – 12.ª C. – AP 1.339.797/7 – Rel. Amador Pedroso – j. 03.02.2003 – RT 815/607).
c) sujeição a trabalhos excessivos ou inadequados: sujeitar é impor um domínio, submeter a pessoa a trabalho excessivo ou inadequado. Excessivo diz respeito à quantidade de trabalho, como a criança que é obrigada a trabalhar durante muitas horas, e inadequado relaciona-se à natureza do trabalho, que não é apropriado àquela pessoa. Assim, uma criança que é obrigada a trabalhar durante muitas horas, auxiliando sua mãe a lavar louça, é submetida a trabalho excessivo. A natureza do serviço não é incompatível com a idade da criança, mas a quantidade de horas, sim. Por outro lado, uma criança que é obrigada, pelo pai, a trabalhar em uma carvoaria, é submetida a um trabalho inadequado.
d) abuso dos meios de disciplina e correção: abusar significa exceder-se, exorbitar no uso na disciplina e correção.
“Comete o delito de maus-tratos a mãe que, abusando dos meios de correção, agride o filho menor de 14 anos, com vários golpes de tamanco em região importante do corpo, causando-lhe lesões de natureza leve, não podendo alegar a não culpabilidade da ré, em razão da falta de conclusão modelar do laudo pericial, visto que o crime do art. 136 do CP é crime de perigo, consumando-se com a situação periclitante criada pelo agente, sendo desnecessária a ocorrência do dano efetivo. (…) forçoso reconhecer estar bem configurado crime de maus-tratos aqui versado, não merecendo guarida a alegação de atipicidade de conduta, pois inegável ter a apelante abusado dos meios de correção de seu filho, ao agredi-lo violentamente com vários golpes de tamanco em região importante do corpo (pescoço e rosto), ofendendo a integridade física da vítima, seu filho, menor de apenas nove (9) anos de idade. Afinal não se pode confundir a correção com o espancamento. Por sorte, no caso em pauta o evento não teve maiores conseqüências, mas são inúmeros os que acabam em tragédia ou mesmo acarretam graves seqüelas para a vítima. A propósito, cale lembrar decisão desta C. Corte no sentido de que ‘incorre nas penas do art. 136 do CP o agente que se excede no exercício do jus corrigendi, surrando a própria filha, provocando-lhe lesões corporais de natureza leve’ (RJDTACRIM 21/245). Importante anotar ainda que ‘o direito de correção conferido aos pais há de ser exercido com moderação e finalidade educativa, não se admitindo o emprego de violência contra filho menor, sob pena de incorrer o agressor nas penas cominadas no art. 136 do CP’ (RT 721/515)” (TACRIM-SP – 4.ª C. – AP 1302375/5 – Rel. Devienne Ferraz – j. 19.03.2002 – RT 802/604).
Esse modo de execução do crime é um dos mais controvertidos. Corretivos que eram considerados válidos décadas atrás, hoje seria visto como um ato de inominável violência nos dias de hoje. Além disso, em razão da diversidade cultural existente em um país com dimensões continentais como o Brasil, há diversas visões sobre a melhor forma de se educar, especialmente a criança. Por outro lado, o crime exige que a vida ou a saúde da vítima seja exposta a perigo.
“Embora seja permitido ao pai punir o filho, é-lhe vedado tudo quanto ultrapasse a via modica, a leve percussão, e se o fato expõe a perigo a saúde da vítima, entre na órbita do ilícito penal. Assim, responde por maus-tratos o progenitor que, a título de correção, espanca descendente menor, provocando-lhe lesões corporais” (TACRIM-SP – AP – Rel. Galvão Coelho– JUTACRIM 49/384).
A jurisprudência traz casos bizarros, em que o abuso de correção é evidente.
“O agente que obriga a filha a comer insetos, como meio de correção, incorre nas penas do art. 136 do CP, pois, ainda que se admita que os limites do direito de corrigir são elásticos e que sempre se deva levar em conta o nível social do corrigente, qualquer pessoa, ainda que de escassa cultura, formará a convicção de que ocorre, na espécie, abuso inadmissível” (TACRIM-SP – AP – Rel. Xavier de Aquino – RJD 23/282).
Maus-tratos é um crime de perigo concreto, de modo que é imprescindível que se demonstre a ocorrência de uma concreta exposição a perigo. Não é suficiente conjecturar que a conduta poderia acarretar uma situação de dano, é necessário que, concretamente, se constate que a pessoa ficou exposta a perigo.
Tipo subjetivo
É o dolo de perigo, que pode ser direto ou eventual. É necessário que exista a consciência de que, com aquela conduta, a vítima está sendo exposta a uma situação perigosa. Não é necessário que exista dolo de causar sofrimento.
“Pelo delito do art. 136 do CP responde o progenitor que, embora agindo sem propósito de crueldade, acorrenta filha ao pé da cama, para evitar que ela saia de casa em más companhias durante sua ausência” (TACRIM-SP – AP – Rel. Xavier Homrich – JUTACRIM 32/343).
Não há previsão de conduta culposa.
Consumação e tentativa
Com a prática de uma das formas descritas, desde que ocorra a situação de perigo.
A tentativa é tecnicamente possível, apenas nas modalidades comissivas.
Formas qualificadas
Como nos demais crimes de perigo, o tipo traz as figuras preterdolosas, em que a produção do resultado qualifica. Se houver lesão corporal grave, a pena será de reclusão de 1 a 4 anos, e se houver morte, de 4 a 12 anos.
Causas de aumento de pena
A pena sofrerá, ainda, uma majoração de 1/3, se a vítima for menor de 14 anos. Tal aumento incidirá na pena do caput, tanto quanto nas penas dos §§ 1º e 2º.
PARA IR ALÉM: Literatura O caso da vara. Machado de Assis. In: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000219.pdf