Nulidades

A nulidade é o vício de um ato processual, que pode levar à sua invalidação, por ter sido praticado em desacordo com a lei processual penal ou com a Constituição.

Todo ato processual deve ser realizado em conformidade com a lei processual — segundo Tourinho é a “tipicidade do ato processual”[1] — e a realização de ato que não atenda à forma descrita pela lei pode acarretar-lhe a nulidade.

As formas processuais nada mais são que corolárias do devido processo legal.

Afirma-se que a nulidade tem aspecto de vício processual e de sanção. Vício, na medida em que houve uma violação da forma estabelecida pela lei. Ao mesmo tempo, é uma sanção que se aplica pela violação da lei.

Atos inexistentes, atos irregulares, nulidades absolutas e nulidades relativas

Ainda mais grave que a nulidade é a existência do chamado ato inexistente, que é aquele em que, embora exista materialmente, o ato é destituído de qualquer valor jurídico. “É um não-ato, e, por não ter nenhum significado, não haverá necessidade de provimento jurisdicional para torná-lo ineficaz.”[2] Como exemplo da doutrina, seria a audiência presidida por promotor de justiça.[3]

No outro extremo, encontram-se os atos irregulares que violam a lei de modo tão leve que, por não causarem prejuízo, não devem ser anulados.

As nulidades relativas só podem ser declaradas se houver argüição oportuna pela parte interessada e se ficar demonstrado o prejuízo pela não observância da regra processual.

Desse modo, resta claro que as nulidades relativas são sanáveis.[4] O art. 572, estabelece que as nulidades previstas no art. 564, III, “d”, “e”g”, “h”, e IV, serão sanáveis se não forem: (I) alegadas oportunamente, (II) se tiverem atingido seu fim, ainda que feitos de outra forma (princípio da instrumentalidade), e (III) se a parte, mesmo que tacitamente, tiver aceito seus efeitos.

As nulidades relativas têm momento oportuno para a argüição, “sob pena de preclusão e, conseqüentemente, de serem elas consideradas sanadas”.

As nulidades absolutas, por atingirem o devido processo legal, podem ser decretadas de ofício pelo juiz, bem como podem ser proclamadas a qualquer tempo.

Como o CPP não aponta quais são as nulidades absolutas, Mirabete afirma que são, por exclusão, as hipóteses do art. 564, incisos I, II e III, letras “a”, “b”, “c”, “e” (primeira parte), “f”, “i”, “j”, “k”, “l”, “m”, “n”, “o” e “p”.

Mirabete aponta as peculiaridades da nulidade absoluta:

“a) qualquer das partes pode suscitá-las, independentemente de ter ou não interesse; b) o próprio juiz deve declará-las, independentemente de provocação; são insanáveis; d) delas as partes não podem dispor.”[5]

Leciona, ainda, o citado autor que mesmo em hipótese de nulidade absoluta, em grau de recurso exclusivo da defesa, não será reconhecida a nulidade que interesse apenas à acusação, em razão da proibição do reformatio in pejus (art. 617, CPP). Nesse sentido, é a Súmula 160, do STF.

 

 

QUADRO SINÓTICO DAS NULIDADES
  IRREGULARIDADE NULIDADE INEXISTÊNCIA
RELATIVA ABSOLUTA
Norma Ofensa à lei Ofensa à lei Ofensa à Constituição.

P.ex: à contraditório, ampla defesa, juiz natural, defesa técnica, motivação das decisões

Tão grave, que atinge requisito indispensável.
Formalidade Forma não visa garantir direitos das partes Forma tem por finalidade a garantia de direitos das partes Tem finalidade de garantir preceitos de ordem pública É um não-ato
Prejuízo Prejuízo impossível Prejuízo pode ter ou não ocorrido.

Precisa ser demonstrado

Prejuízo é presumido.

Não precisa ser demonstrado.

Independe de prejuízo.
Oportunidade de argüição   Deve ser argüido na primeira oportunidade, caso contrário fica sanado. Não há preclusão, por se tratar de violação constitucional, pode ser argüido a qualquer momento. Qualquer momento.
Interesse   Apenas a parte prejudicada por argüir Qualquer das partes pode argüir e pode ser decretada a nulidade de ofício.

(Exceção: súmula 160, STF)

Interesse público.
Decisão judicial   Precisa ser decretada por decisão judicial Precisa ser decretada por decisão judicial Não precisa ser decretada por decisão judicial

 

Princípios

Princípio do prejuízo

Como já dito, as formalidades processuais tem como finalidade garantir a efetivação do devido processo legal, mas não tem valor de per si. Não há no processo penal o fetiche pela forma, apenas esta é importante para a garantia do devido processo legal. Assim, em certos casos, a realização de um ato que não tenha causado prejuízo, não deverá ser anulado.[6] É o que preceitua o art. 563, CPP. Segundo Nucci, “a forma prevista em lei para a concretização de um ato processual não é um fim em si mesmo, motivo pelo qual se a finalidade para a qual se pratica o ato foi atingida, inexiste razão para anular o que foi produzido.”[7]

Tal princípio apenas se aplica às nulidades relativas, pois nas absolutas, por afetar diretamente o devido processo legal, o prejuízo é presumido.[8]

Princípio de que não há nulidade provocada pela parte

Obviamente, seria inconcebível consagração da má-fé processual a admitir-se a argüição de nulidade feita pela própria parte que a deu causa. Dispõe o art. 565, primeira parte, CPP.

Princípio do interesse

Não tem sentido que uma parte, à qual não interesse a decretação da nulidade, possa argüir a nulidade. Se a decretação da nulidade não beneficia a parte, esta não poderá alegar. É o que estabelece o art. 565, segunda parte, CPP. Há nesse caso, falta de interesse processual.

3.3. Princípio da instrumentalidade das formas ou sistema teleológico.

Trata-se do princípio que veda a decretação da nulidade, se o ato tido como viciado foi irrelevante para a solução da causa. É o que determina o art. 566, CPP, ao estabelecer que não se decreta a nulidade que não influiu no descobrimento da verdade real.

Nucci dá como exemplo a oitiva de testemunha em idioma estrangeiro, sem a presença de intérprete; se o depoimento foi irrelevante, ainda que tenha sido colhido de forma ilegal, não será considerado nulo.[9]

Princípio da causalidade ou conseqüencialidade

Segundo tal princípio, uma vez decretada a nulidade do ato, os demais atos decorrentes, que também são atingidos pela nulidade do ato anterior, também serão nulos.  Em tal hipótese, é imprescindível se verificar se os atos subseqüentes são conseqüências do ato anulado; se não for, a anulação de tal ato não irá invalidar os demais (art. 573, § 1º, CPP).  l

A nulidade dos atos postulatórios se estende aos atos subseqüentes, como a denúncia inepta ou a falta de resposta à acusação. Já a nulidade de um ato instrutório, em regra, não invalida os demais atos de instrução.[10]

Princípio da convalidação ou sanabilidade

Dispõe o art. 572, I, CPP, que as nulidades que não forem argüidas oportunamente, estarão sanadas. A preclusão da alegação, como já visto, só se aplica às nulidades relativas, pois as absolutas podem ser alegadas a qualquer momento e podem ser decretadas de ofício.

Como bom exemplo, da convalidação está no art. 570, que estabelece que se o acusado comparece, apesar de não citado, em juízo, está sanada a falta ou nulidade de citação.

Princípio da não-preclusão

Aplica-se à nulidade absoluta, pois estas não precluem e podem ser decretadas de ofício. Ressalte-se a exceção prevista na súmula 160, que dispõe que não poderá ser decretada nulidade contra o réu, se não houver recurso da acusação.

Nulidades em espécie

O art. 564, CPP, traz o rol das hipóteses causadoras da nulidade.

  • Por incompetência, suspeição ou suborno do juiz

Estabelecido os critérios de competência, se um juiz incompetente julga o processo, será nulo tal julgamento. Nos termos do art. 567, 1ª parte, a incompetência do juízo anula apenas os atos decisórios. Trata-se do princípio do aproveitamento dos atos processuais. Porém, o referido princípio só se aplica na incompetência ratione loci, que é nulidade relativa e deve, portanto ser argüida oportunamente. Senão, ocorre a prorrogação de competência.[11]

Já na chamada incompetência ratione personae e a ratione materiae possuem caráter absoluto, devendo o processo ser anulado ab initio.[12]

Também há nulidade se houver suspeição do juiz, presumindo-se que a falta de isenção do juiz interferiu na decisão da causa.[13]

Se houver suborno do juiz, é nulo o processo.

Aplica-se a nulidade, embora não previsto em lei, se houver incompatibilidade ou impedimento do juiz.

  • Por ilegitimidade da parte

Se a parte for ilegítima, como na hipótese de denúncia em crime de ação privada.

  • Ilegitimidade ad causam
    • Impertinência subjetiva da ação
      • Autor não é o titular da ação penal
      • Réu não pode integrar a relação processual
        • Menor de 18 anos
      • Ilegitimidade ad processum..
        • Falta de capacidade postulatória
          • Queixa sem advogado
        • Incapacidade para estar em juízo
          • Menor de 18 anos sem presença do representante legal
        • 568, CPP à pode ser convalidada a qualquer momento

 

  • Por falta de fórmulas ou termos seguintes:.

a) denúncia, queixa ou representação (requisição do Ministro da Justiça)

  • Ausência material da denúncia ou queixa tornaria o ato inexistente.
  • Tourinho: ausência significa denúncia ou queixa “tão mutilada, tão desnaturada, que equivale à própria ausência”
  • Ausência da representação é a falta de uma condição de procedibilidade.

b) exame de corpo de delito, nos crimes com vestígios (exceção do art. 167)

No crime que deixa vestígio (não transeunte), é imprescindível o exame de corpo delito.

Desaparecidos os vestígios, pode a prova testemunhal suprir-lhe a falta, nos termos do art. 167, CPP.

c) falta de defensor

Se estiver presente, e se apresentar sem advogado, ou se ausente o réu, deverá ser nomeado um defensor dativo. Súmula 523, STF: Falta à nulidade absoluta Deficiência à nulidade relativa

  • A lei fala em curador, ao menor de 21 e maior de 18 anos.
    • Hipótese que não existe mais, desde a vigência do novo Código Civil.

 

d) intervenção do Ministério Público na ação pública

  • em que é autor
  • ação privada subsidiária

 

e) citação, interrogatório, prazos (acusação e defesa)

  • Citação –
    • Dar ciência ao acusado
    • sanada, se comparecer (art. 360)

 

f) a sentença de pronúncia, o libelo e a entrega da respectiva cópia, com o rol de testemunhas, nos processos perante o Tribunal do Júri;

  • Não há mais o libelo, desde a Lei 11.689/2008.

 

g) a intimação do réu para a sessão de julgamento, pelo Tribunal do Júri, quando a lei não permitir o julgamento à revelia;

  • O réu deve ser intimado para a sessão de julgamento.
    • Se não intimado, ele comparecer, a nulidade está sanada.

 

h) a intimação das testemunhas arroladas no libelo e na contrariedade, nos termos estabelecidos pela lei;

  • As testemunhas devem ser arroladas na oportunidade do art. 422, CPP.

 

i) a presença pelo menos de 15 jurados para a constituição do júri;

 

 

j) o sorteio dos jurados do conselho de sentença em número legal e sua incomunicabilidade;

 

 

k) os quesitos e as respectivas respostas;

 

 

 

l) a acusação e a defesa, na sessão de julgamento;

 

 

m) a sentença;

 

 

 

n) o recurso de oficio, nos casos em que a lei o tenha estabelecido;

 

 

 

o) a intimação, nas condições estabelecidas pela lei, para ciência de sentenças e despachos de que caiba recurso;

 

 

 

p) no Supremo Tribunal Federal e nos Tribunais de Apelação, o quorum legal para o julgamento;

 

 

 

  • Por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato.

 

 

  • Deficiência de quesitos

Parágrafo único.  Ocorrerá ainda a nulidade, por deficiência dos quesitos ou das suas respostas, e contradição entre estas.

[1] Tourinho Filho, Manual de Processo Penal. 10ª ed., p. 485.

[2] Tourinho Filho, Manual de Processo Penal. 10ª ed., p. 486. Para Nucci, os atos inexistentes não chegam sequer a configurar nulidade, “uma vez que estão distantes do mínimo aceitável para o preenchimento das formalidades legais.” (Manual de Processo Penal e Execução Penal, p. 808)

[3] NUCCI, Manual de Processo Penal e Execução Penal, p. 808. Para esse autor, os atos inexistentes não chegam sequer a configurar nulidade, “uma vez que estão distantes do mínimo aceitável para o preenchimento das formalidades legais.”

[4] Mirabete, p. 623.

[5] Mira, p. 626.

[6] nucci, Manual de Processo Penal e Execução Penal, p. 809.

[7] nucci, Manual de Processo Penal e Execução Penal, p. 809.

[8] nucci, Manual de Processo Penal e Execução Penal, p. 809.

[9] nucci, Manual de Processo Penal e Execução Penal, p. 811.

[10] Grinover, Ada Pelegrini. Scarance Fernandes, Antonio. Gomes Filho, Antonio Magalhães. As nulidades no Processo Penal. 10ª ed. São Paulo: RT, 2007., p.

[11] Mirabete, p. 616.

[12] Mirabete, p. 616.

 

[13] Mirabete, p. 617.